Ele sonhava em fazer lanche artesanal de qualidade na periferia de SP e agora já tem 4 hamburguerias

Valber Bonfim nasceu e cresceu na Brasilândia (zona norte de São Paulo), onde fundou a Quebrada Burger, em 2017; negócio deu origem ao Grupo Quebrada e recebeu três propostas no Shark Tank

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Foto do author Geovanna  Hora

Empreender sempre foi um sonho para Valber Bonfim, de 30 anos. Desde a adolescência, ele ficava incomodado por não encontrar na Brasilândia, distrito na zona norte de São Paulo, onde ele nasceu e cresceu, restaurantes semelhantes aos que via nos bairros nobres.

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Bonfim tentou inovar no negócio da família, mas o pai achava que não tinha espaço para novidades na periferia. Ele decidiu abrir a Quebrada Burger e vender lanches artesanais em um food truck para testar as próprias ideias e ajudar a pagar a faculdade de gastronomia, em 2017.

Oito anos depois, a Quebrada Burger já tem quatro unidades e deu origem ao Grupo Quebrada, responsável por quatro marcas.

Primeiro emprego foi no restaurante dos pais

Os pais de Bonfim nasceram no Nordeste e vieram para São Paulo na juventude. Ele e os irmãos sempre tiveram a Brasilândia como casa. Ele tinha 12 anos quando o pai, Manoelito Bonfim, de 60, vendeu um restaurante na Avenida Itaberaba e montou o Cantinho da Feijoada no seu bairro de origem.

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Bonfim passou a ajudar os pais: lavava a louça, atendia aos clientes, preparava as bebidas e o que mais precisasse.

Valber Bonfim, de 30 anos, queria levar a experiência dos bairros nobres para a periferia.  Foto: Divulgação/Quebrada Burger

Aos 16 anos, o paulistano começou a fazer um curso técnico em administração. A intenção era se preparar para ter o próprio negócio, mas o plano dele era ficar bem longe da cozinha.

“Eu sabia que dono de restaurante trabalha demais. A ideia era ter uma academia, porque eu acreditava que os custos de manutenção seriam menores, já que, na minha cabeça da época, era só comprar os pesos e pagar o aluguel”, conta o empreendedor.

Ele tinha 18 anos quando Manoelito teve um problema no joelho, precisou diminuir o ritmo de trabalho e sair dos fogões. A solução foi aprender a cozinhar.

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“Meu pai ficou relutante no começo, mas a dor falou mais alto e ele me ensinou como fazer tudo. Foi fantástico, porque eu não imaginava que pudesse gostar tanto de cozinhar”, diz.

Charme de Pinheiros inspirou food truck

Para melhorar os pratos que fazia, Bonfim foi estudar. O pai não sabia explicar por que cada passo era feito de um jeito na cozinha e o paulistano decidiu procurar respostas em livros de culinária. Ele diz que se apaixonou pela área e decidiu cursar gastronomia.

Tudo o que aprendia nas aulas ele tentava aplicar no Cantinho da Feijoada. O problema é que Manoelito não concordava com as mudanças.

“O que mais me incomodava era que ele dizia que a Brasilândia era um bairro pobre, onde as pessoas compravam o que podiam e não o que queriam. Eu ficava frustrado por não conseguir implementar minhas ideias”, afirma.

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Bonfim diz que, quando passava por Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, via dezenas de food trucks nas ruas, mas a tendência ainda não era comum no seu bairro. Ele decidiu abrir uma hamburgueria artesanal, mas precisava encontrar um food truck para comprar.

Na época, tinha cerca de R$ 6 mil para investir e convidou um primo para ser seu sócio. Eles compraram um food truck usado por R$ 4 mil e gastaram quase R$ 12 mil para reformar.

Desde o início, o nome era uma homenagem às raízes de Bonfim: Quebrada Burger. Eles inauguraram o food truck em um estacionamento na Brasilândia, em 2017, mas ficaram menos de um mês no local, porque a rotina de abrir e fechar era cansativa.

“Na semana, eu ia para o restaurante do meu pai às 6h e só saia às 17h30, para ir à faculdade. Chegava em casa depois das 23h e preparava o hambúrguer, o molho e tudo necessário para vender os lanches no final de semana. Só dormia quatro horas por noite”, diz Bonfim.

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Para facilitar o trabalho, ele resolveu alugar um espaço onde pudesse montar uma cozinha industrial. Assim, o processo de organização seria simplificado.

Ele adaptou o espaço onde funcionava uma funilaria, estacionou o food truck no interior e colocou algumas mesas para consumo no local. O primo desistiu do negócio, e Bonfim convidou um tio para ocupar o lugar de sócio.

Delivery foi decisivo para o crescimento da Quebrada Burger

A divulgação da Quebrada Burger era feita no boca a boca entre os conhecidos e com a ajuda de anúncios na internet. As vendas começaram a crescer, mas o espaço era pequeno. A solução foi investir no delivery.

“Percebi que as pessoas experimentavam pessoalmente, mas passavam a comprar só pelo delivery depois. Não tinha exaustor na hamburgueria, o ambiente não era agradável, mas a comida era boa e eles pediam em casa”, afirma Bonfim.

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Em 2018, o imóvel e o food truck já não davam conta da demanda. Ele alugou o salão ao lado e vendeu o food truck para expandir a operação, além de fechar a área para consumo no local e passar a atuar somente com entregas.

Até o início de 2020, Bonfim ainda se dividia entre a Quebrada Burger e o Cantinho da Feijoada. Mas, com a chegada da pandemia, a hamburgueria mais que duplicou de tamanho - o espaço utilizado saiu de 40 m² para 100 m² - e ele precisou se dedicar somente ao seu próprio negócio.

Se o delivery alavancou as vendas durante as medidas restritivas, com o retorno do público para as ruas, ele decidiu que era o momento de voltar a receber clientes no local.

Investiu R$ 100 mil para aumentar o salão e fazer a reforma, em 2021. “O meu projeto era oferecer a experiência dos Jardins na Brasilândia”, destaca.

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Intenção de Bonfim era levar gastronomia para a periferia

A intenção de Bonfim era levar hambúrgueres sofisticados para a periferia e mostrar para os clientes que o produto valia o preço. “Eu sabia que as pessoas gastavam R$ 1 mil em um tênis porque viam valor nele. Então eu precisava moldar a percepção de valor delas em relação aos meus lanches”, afirma.

O empreendedor buscou referências em restaurantes populares de Pinheiros para oferecer hambúrgueres com carnes nobres, como angus. Mas ele precisava cobrar preços mais baixos, já que o poder aquisitivo do público-alvo era menor.

Para conseguir produzir lanches artesanais, mas gastar menos, Bonfim negociou com fornecedores. “Os meus concorrentes vendiam os hambúrgueres a R$ 8. O meu produto era diferente, mas eu não poderia cobrar o preço que é cobrado em Pinheiros. O jeito foi criar uma relação de confiança com os fornecedores para conseguir melhorar os custos sem perder a qualidade”, conta.

Lanches da Quebrada Burger são feitos com carnes nobres e têm nomes inspirados em gírias. Foto: Divulgação/Quebrada Burger

Além do preço acessível, o paulistano também usou a distância a seu favor: em vez de atravessar a cidade para comer algo diferente, as pessoas podiam aproveitar a Quebrada Burger dentro da Brasilândia.

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Os nomes dos lanches são inspirados em gírias populares na periferia, como Maloka (R$ 28,90), Bolado (R$ 34,90) e Loko (R$ 28,90). A ideia era ter identificação com os consumidores e servir como uma estratégia de marketing.

“As pessoas acham engraçado. Em vez de pedir um x-salada, que é comum, ela vai pedir um Cabuloso. Elas vão lembrar disso”, afirma Bonfim.

Abriu três unidades em pouco mais de um ano e criou Grupo Quebrada

A segunda unidade Quebrada Burger foi inaugurada em 2022, em Pirituba, a cerca de 8 quilômetros de distância da matriz. A ideia era testar se os lanches teriam saída na região. Ele começou a produzir na padaria de um amigo e a vender por delivery.

“Eu fiquei surpreso porque Pirituba alcançou um número de vendas semelhante ao da Brasilândia em três meses. Hoje eu entendo que foi porque o negócio já chegou a Pirituba amadurecido, o que faz muita diferença. No começo, implementei ideias que deram errado e deixei clientes insatisfeitos, mas aprendi e não repito nas outras lojas”, diz Bonfim.

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No ano passado, a expansão contou com duas lojas voltadas ao delivery no Campos Elíseos, região central da capital, e em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo.

O paulistano também criou o Grupo Quebrada, com três novas marcas: Quebrada Açaí, Quebrada Dog e Quebrada Drinks, todas com atuação pelo delivery. Os planos incluem a abertura de pelo menos mais três marcas, para a produção de pizzas, pastéis e itens de café da manhã.

O empreendedor quer crescer, mas sem entrar no franchising, pelo menos por enquanto. Ele participou da nona temporada do reality show Shark Tank Brasil, recebeu três propostas e aceitou a oferta do empresário José Carlos Semenzato, fundador da SMZTO, maior holding de franquias do Brasil, que quer investir R$ 2 milhões por 30% do negócio.

Bonfim afirma que ainda não assinou nada, mas que deve ter uma reunião com Semenzato em breve. “Foi uma honra participar do programa, mas ainda preciso ver o contrato para saber se vai dar certo ou não.”

A empresa não enviou documentos ao Estadão para comprovar o faturamento do Grupo Quebrada, e, por isso, o valor não está sendo divulgado nesta reportagem.

Avaliação dos consumidores

A Quebrada Burger recebeu uma classificação média de 4 de 5 estrelas no Google, com 1.040 avaliações até a publicação desta matéria. Os comentários positivos elogiam o sabor dos lanches e a qualidade do ambiente, e os negativos abordam problemas com o delivery.

Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, avaliações positivas ou negativas podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.

No Reclame Aqui, a marca recebeu 15 reclamações, relacionadas a problemas na entrega e no atendimento, nos últimos seis meses, o que não é suficiente para calcular a reputação, segundo o site.

Entender clientes e se diferenciar é fundamental, diz especialista

A consultora de negócios do Sebrae-SP Sandra Fiorentini afirma que o principal diferencial de Bonfim é ter entendido o desejo dos clientes.

“Se o consumidor precisa sair do bairro para comprar, ele tem que considerar o custo com transporte e vai preferir um produto semelhante, que fique próximo a sua casa. Bonfim reconheceu o interesse do seu público-alvo”, aponta.

Ela diz que o empreendedor precisa saber se diferenciar. É importante entender, em primeiro lugar, o que a concorrência oferece, para traçar quais serão os seus diferenciais.

O sucesso também passa por estar atento às tendências, mas com cautela. Oferecer novidades com base nas mudanças do mercado pode ajudar a atrair novos clientes e aumentar as vendas, mas é preciso ter cuidado com algumas ondas passageiras.

“Se todo mundo está fazendo, talvez você não precise fazer também. O caminho é identificar possíveis inovações, mas adaptar aos hábitos de consumo do seu público, para não investir em algo volátil”, explica.

Para ganhar o cliente, não basta oferecer apenas um produto de qualidade. A experiência a ser vivida ganha cada vez mais importância na tomada de decisão das pessoas.

A especialista diz que restaurantes, hamburguerias e similares precisam investir em cardápios personalizados, programas de fidelidade ou eventos temáticos, por exemplo, para despertar a curiosidade. “Os consumidores não se contentam mais com o comum”, avalia Sandra.

Delivery ajuda a aumentar vendas, mas é preciso ter cuidado

O delivery é uma alternativa tanto para quem quer aumentar as vendas quanto para quem não tem dinheiro para investir em um espaço para consumo. Mas a consultora alerta que é preciso calcular se o potencial de produção do restaurante é suficiente para a demanda das entregas.

“As pessoas que pedem no delivery querem agilidade. Se atrasar o pedido, elas vão reclamar e não vão comprar novamente. O mesmo acontece se a comida chegar no tempo, mas estiver fria: o cliente deixa de consumir naquele estabelecimento”, aponta.

Para quem tem um volume alto de entregas, as dark kitchens - ou restaurantes fantasmas - são uma opção, por oferecer um local para a montagem de uma cozinha à altura da demanda, mas com custos mais baixos do que um imóvel tradicional.

Outro ponto que exige atenção são as embalagens. O ideal é que elas garantam que o prato chegue com uma boa montagem, consistência e temperatura à casa do cliente. Mas, se a distância não permitir que o produto se mantenha quente, a embalagem precisa ser adequada para o aquecimento em micro-ondas ou fogões, com todas as instruções.

“Se o empreendedor conseguir unir uma cozinha ágil, com uma equipe bem treinada e um entrega rápida, as chances de sucesso são enormes”, conclui Sandra.

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