Onde estão as mulheres empreendedoras? Uma pergunta que pode ser feita em diferentes ambientes da sociedade motivou duas brasileiras a percorrerem 99.534 quilômetros para descobrir os desafios que o empreendedorismo feminino enfrenta ao redor de 24 países, nos cinco continentes. Toda a história foi registrada no documentário Do Nosso Jeito, que estreou em março em plataformas de streaming (veja ficha mais abaixo) e mostra que mulheres no mundo inteiro queixam-se, sobretudo, da falta de investimentos e do viés masculino no mundo dos negócios.
Ex-moradoras de São Paulo, Taciana Mello e Fernanda Moura formam o projeto Girls on the Road, com formação em Marketing e Direito, e tiveram a ideia de viajar pelo globo em busca de personagens que pudessem ser exemplos e referências para outras mulheres no empreendedorismo. As duas tornaram-se produtoras, cinegrafistas, diretoras, editoras e, claro, empreendedoras e investidoras da própria ideia.
Elas entrevistaram mais de 300 mulheres líderes de pequenas, médias e grandes empresas de diferentes áreas, de serviços a tecnologia. O início de cada negócio tem motivações diferentes: o surgimento de uma ideia, a dificuldade de recolocação no mercado de trabalho, além da confiança e da dedicação do próprio esforço.
“Empreender não é para qualquer pessoa, independentemente do gênero. Mas as mulheres que têm esse desejo muitas vezes sofrem desafios maiores e acabam desistindo por conta de influências externas”, afirmou Taciana em entrevista ao Estadão.
Segundo ela, mesmo com a diversidade sociocultural e religiosa das entrevistadas, os desafios são similares. Falta de investimento, influência do trabalho doméstico e da maternidade, diferença salarial e luta contra o estereótipo masculino estão entre os pontos citados quase que unanimamente pelas entrevistadas.
“Muitas pessoas podem pensar que as mulheres começam a empreender para ter mais flexibilidade na rotina e conseguir conciliar com a maternidade e afazeres domésticos da melhor forma. Vimos o oposto disso, mulheres que se dedicam 24 horas às atividades”, diz Taciana.
Preconceito de gênero e falta de investimento
Para a australiana Sheree Rubinstein, da OneRoof, o viés estereotipado é, muitas vezes, inconsciente. “Para um investidor, não é claro por que ele investe ou não em um negócio liderado por uma mulher, é um preconceito de gênero intrínseco. Quando um investidor vê um empreendedor, o pensamento padrão é ‘que tipo de empreendedor ele será?’ Enquanto olham para uma empreendedora, o pensamento é ‘ela pode ser uma empreendedora’”, ilustra ela, no documentário.
Diretor da startup chinesa Chinaaccelerator, William Bao afirma que o investimento em empreendedorismo feminino é essencial. “Tudo gira em torno da economia, se alguém não vai financiar uma CEO porque é mulher, essa pessoa está deixando de aproveitar uma oportunidade. Quando nós investimos em uma mulher, queremos que o negócio dela cresça para ela poder passar a ser uma investidora também. Aqui na China, as melhores investidoras de ventures são mulheres ”, afirma Bao.
Segundo pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor, Angola é o país com maior taxa de empreendedorismo feminino impulsionado pela necessidade, com 51% da população feminina adulta. Panamá, Arábia Saudita, Estados Unidos e Coreia do Norte completam o ranking com 29%, 17%, 13% e 10%. Nesses países, o empreendedorismo é impulsionado pela inovação.
O projeto teve início nos Estados Unidos, quando as documentaristas moravam na região do Vale do Silício, na Califórnia. “Nós participamos de muitos eventos de startups e inovação, a predominância masculina nesses ambientes nos chamou atenção. Os EUA são considerados um dos melhores países para empreender, mas na prática, vimos que o número de mulheres não era proporcional ao de homens”, explica Fernanda.
Além de EUA, China, Austrália e Brasil, elas passaram por países como Ruanda, Chile, Singapura, Índia, Líbano, Israel, México, Japão, e Noruega. Para as produtoras, as similaridades entre os desafios foram visíveis, mas em alguns lugares elas foram surpreendidas.
“Nos países do Oriente Médio vimos mulheres bem formadas e praticantes de sua fé que quebram barreiras e são pioneiras. Elas explicam que o Alcorão não impede que elas tomem essa posição e sentem-se desconfortáveis quando é feita generalização das mulheres muçulmanas”, comentam.
Por outro lado, no Japão, elas relatam que as mulheres são muito bem formadas e educadas, tendo a média de formação acadêmica alta, entretanto, o casamento passa a ser uma nova profissão por conta do tempo de serviço e esforço dedicado.
Outra surpresa, segundo Taciana, foi Ruanda, na África. “O país sofreu um genocício muito grande e a maior parte dos morto foram homens. As mulheres passaram, naquele momento, a suprir e a tocar a crise dentro do país, assumindo posições de destaque. Mesmo sendo uma cultura considerada mais machista, elas começaram a ter participação muito grande na sociedade e até no governo”, explica.
Para a israelense Fleur Hassan-Nahoum, o maior conselho para mulheres empreendedoras é fazer-se ouvir. “Fale. Ocupe espaços e seja sempre uma voz onde estiver”. Das 300 entrevistadas, algumas não prosseguiram o empreendimento.
“Faz parte do ato de empreender, nem sempre vai para frente, mas é importante tentar e ser exemplo para o meio onde a mulheres esteja inserida”, destaca Fernanda. As produtoras negociam o lançamento documentário em plataformas inclusive no exterior, com uma versão do documentário em inglês.
DO NOSSO JEITO
Gênero: documentárioAno: 2021Origem: BrasilDuração: 100 minOnde: Vivo Play, Now/Net Claro e serviços regionais
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