Vídeos do empreendedor paulista Paulo Sérgio Montenegro, 35, montando pratos de cuscuz nordestino somam milhões de visualizações e curtidas nas redes sociais. As gravações mostram os bastidores do Rei do Cuscuz, negócio lançado durante a pandemia para driblar o desemprego. Hoje, o restaurante na Vila Curuçá, zona leste de São Paulo, vende de 500 a 600 pratos por dia.
Com a esposa baiana Mabel Gonçalves Montenegro, 38, começou vendendo marmitas, já que sua antiga empresa de manequins faliu durante a crise sanitária, em meados de 2020. No início, eles faziam de tudo: feijoada, hambúrguer, prato feito. “Atiramos para todos os lados”, conta Paulo, que já havia trabalhado em cozinha.

Amante de cuscuz, Mabel deu a ideia de adicionar o prato ao cardápio, e Paulo – filho de cearense e baiana – incluiu acompanhamentos especiais: salada, carne, queijo e calabresa.
“Diferentemente da minha esposa, eu não era muito chegado em cuscuz; só comecei a gostar depois que fui jogando coisas nele”, explica.
Logo, o cuscuz passou a sair mais do que todos os outros pratos. Então, tornou-se exclusivo.
Para começar, o casal investiu R$ 800, dinheiro emprestado de dois amigos. Compraram uma chapa, uma panela de pressão, uma frigideira e os ingredientes para a montagem dos pratos.
Os primeiros cuscuzes foram feitos em casa, nas quatro bocas sobreviventes do fogão de seis bocas: duas em bom estado e duas “mais ou menos”, como diz Paulo.
Mas foi em 2022 que o negócio bombou. Um dos vídeos publicados por Paulo nas redes sociais do Rei do Cuscuz, no qual ele repercutiu a reclamação de um cliente, viralizou. Em um dia, atingiu 1 milhão de visualizações, e o TikTok da empresa que tinha 130 seguidores, chegou a 50 mil.
Hoje a conta tem 605,5 mil seguidores e vídeos que chegam a milhões de visualizações. No Instagram, o perfil da loja conta com 238 mil seguidores e, no YouTube, são 46,7 mil inscritos.
Vídeos do Rei do Cuscuz são simples e contam histórias
Paulo conta que os vídeos do Rei do Cuscuz só passaram a fazer sucesso depois que ele “relaxou”.
“No começo, eu tinha estratégia, editava demais, fazia uma superprodução. Aí teve um dia em que, no último pedido, fiz o vídeo do meu jeito: gravei o pedido e meu dia de trabalho normal. O pessoal gostou e comecei só a filmar meu dia, falando o que penso na hora.”
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Nas gravações, o empreendedor costuma mostrar a montagem dos pratos, das marmitas para delivery e a produção da massa do cuscuz ou dos acompanhamentos.
Os vídeos são geralmente narrados por Paulo com uma história engraçada ou inusitada do dia-a-dia do negócio, frequentemente acompanhada de boas risadas, ou dicas para o preparo do cuscuz.
“Agora eu vou aos lugares e o pessoal me reconhece como ‘o cara do cuscuz’”, brinca Paulo. A fama chegou até a outros estados e países. São comuns comentários que clamam por novas unidades do Rei do Cuscuz em outras regiões.
Como o casal ainda não pode expandir o negócio, também passou a ensinar a receita dos pratos na internet e criou um e-book com o seu passo a passo. O material online é vendido a R$ 89,90 e tem desde receitas e lista de equipamentos a estratégias de venda e entrega do cuscuz.
Paulo não consegue acompanhar os milhares de comentários, mas nota uma boa recepção dos conteúdos pelo público. Ele usa as poucas críticas negativas para “alavancar as vendas”.
“Uso esses comentários para rebatê-los em vídeo; sempre faz sucesso porque o pessoal gosta da polêmica, e a minha comunidade é muito próxima, eles sempre interagem”, diz.
Recentemente, um vídeo em que Paulo respondia a um cliente atingiu 7,4 milhões de visualizações no TikTok. Na narração, o empreendedor conta que ficou chateado com a grosseria do homem, que chamou o cuscuz de “porcaria” por ter se estressado com a demora do atendimento.
“Como ele falou que era para a filha dele, que viu na internet, provavelmente era minha seguidora. Em respeito a ela, ‘engoli o sapo’”, conclui.
O Rei do Cuscuz está presente no TikTok, Instagram, Kwai, Facebook e YouTube, com vídeos curtos, de cerca de 1 minuto e meio. Paulo grava e publica conteúdos todos os dias de funcionamento do restaurante: de quarta a domingo, das 18h às 23h.
Pandemia foi difícil, mas agora tem até fila
Até chegar onde estão agora, os sócios do Rei do Cuscuz passaram por muitos desafios. “A pandemia demorou bastante, foi uma luta pela sobrevivência”, relembra Paulo. Nos dois primeiros anos, o negócio operou praticamente sem margem de lucro.
Enquanto no início era difícil manter as portas abertas, hoje a dificuldade é conseguir atender a demanda. Filas enormes se formam em frente ao espaço, que conta com 16 mesas.
“Muitas vezes, as pessoas desistem e retiram o cuscuz para levar para casa. O delivery também acaba demorando mais do que o ideal”, admite Paulo, que não divulga mais o endereço nos vídeos.
Golpe virou carro-chefe do Rei do Cuscuz
Um dos pratos, de cuscuz com carne seca desfiada e queijo derretido, acompanhado de contrafilé grelhado e vinagrete, foi batizado em homenagem a um golpe que Paulo e Mabel levaram na internet.
“Tínhamos juntado uma grana para comprar um freezer, e não recebi o produto, era golpe. Aí gravei o vídeo falando que, em vez de reclamar, eu criaria o prato com esse nome e, com o lucro dele, compraria um novo”. Dito e feito: eles conseguiram o eletrodoméstico e, hoje, o “freezer” é o carro-chefe do restaurante – corresponde a cerca de 80% das vendas.
A massa do cuscuz demorou sete meses até ficar no ponto ideal, conta Paulo. “Fomos testando no decorrer do trabalho, até porque não tínhamos dinheiro para desperdiçar produto.
Trabalham no restaurante cinco funcionários: a mãe de Paulo no atendimento, a irmã no caixa, uma cozinheira, que faz os pratos com o empreendedor, e dois motoboys para o delivery. Nos fins de semana, o restaurante conta com dois colaboradores extras.
Os pratos têm recheios, acompanhamentos e tamanhos variados: P, entre 250 g e 300 g; M, entre 400 g e 500 g; e G, de 700 g a 800 g. Os preços variam de R$ 20 a R$ 70. A loja não divulga seu faturamento.
Futuramente, o casal deseja ir para um lugar maior ou achar uma maneira de comportar mais pessoas no espaço atual, em São Paulo.
Uma nova unidade será aberta em breve em São Lourenço da Serra, região metropolitana de São Paulo, para funcionamento nos fins de semana. Ainda não há planos para uma expansão em outros lugares.
Avaliações de clientes
O Rei do Cuscuz tem nota 4,4 de 5 no Google. Das 86 avaliações, apenas oito deram a pior classificação para a marca (uma estrela) e uma, duas estrelas. As queixas referem-se à demora de atendimento, à simplicidade do ambiente, à temperatura da comida no delivery e à qualidade dos ingredientes.
Os autores das notas concedidas não podem ser verificados. Eventualmente, comentários positivos ou negativos podem ser uma ação a favor ou contra a empresa.
O restaurante não tem ocorrências registradas no site Reclame Aqui.
Redes sociais funcionam se houver estratégia, diz analista
Para Kurth Tonn, analista de negócios do Sebrae-SP, “as redes sociais são canais para trazer clientes para dentro dos seus canais de venda, seja na parte física, seja por entrega.” Mas, para dar certo, há uma série de estratégias a serem traçadas e colocadas em prática.
A primeira coisa é entender o consumidor do negócio: com quem o empreendedor está se comunicando, quem é o cliente que consome o produto ou o serviço oferecido? Depois, o ideal é fazer um planejamento de conteúdos para otimizar o trabalho.
“Pode tirar um dia da semana para fazer o planejamento de pautas e gravar nesse mesmo dia vários vídeos (são mais atrativos) e tirar fotos para ir publicando ao longo dos dias”, sugere.
Tonn destaca que, nesse caso, além de evitar citar dias e datas, o ideal é trocar de roupa e cenário nas gravações. “As mesmas informações visuais podem cansar o cliente”, explica.
Não é necessária uma grande produção, afirma Tonn: “Muitas vezes, não precisa de uma agência para fazer comerciais elaborados. Nas redes sociais, a empresa tem que se aproximar da realidade do cliente, fazer conexão.”
A aparição do empresário não é regra, mas é bom ter um “rosto” para a marca. “As pessoas não querem conversar com robôs, máquinas; querem humanização. Pode ser o dono ou um funcionário que tenha habilidade de fala, carisma. Imagem vende”, considera.
Outro ponto imprescindível, na visão do analista, é a constância das publicações. “É importante ter condições de gerar conteúdo e reter a atenção, sempre com a estratégia em mente: qual é o seu objetivo? Para vender, por exemplo, é interessante fazer com que, de maneira subjetiva, o cliente seja atraído a acessar o produto ou serviço.”.
O empreendedor tem a possibilidade de verificar nas suas redes sociais os horários de pico do seu público. Além disso, há outras maneiras de escolher o momento para postar. Para restaurantes, por exemplo, Tonn recomenda publicar antes do horário do almoço ou do jantar: “Tende a despertar a vontade ou a necessidade”, diz.
É possível também, ele destaca, fazer com que “a plataforma trabalhe por você”. Com os conteúdos prontos, o empreendedor pode programar as publicações, por meio das próprias redes sociais, de uma vez só.
Por fim, é importante acompanhar a repercussão dos conteúdos. “Precisa ter alguém para gerir e responder os comentários, sabendo como vão ser as respostas, em nome da empresa. Essa pessoa precisa ter as informações técnicas do negócio e produto ou serviço para conseguir auxiliar os seguidores e gerar possíveis vendas”, destaca o especialista.
E quando a demanda trazida pela rede social foge do controle? Kurth Tonn ressalta a importância de se preparar para o “gás da viralização”.
“Nesses casos, quando há repercussão fora da localização do negócio, é o momento de aproveitar esses clientes para novos produtos: aulas de culinária, cursos de como se portar em vídeo, como fazer conteúdos online e de vendas, por exemplo.”