Com a pandemia, o segmento de viagens corporativas foi um dos mais impactados, com o home office instituído de forma generalizada e encontros executivos virtuais. De acordo com um levantamento feito pela Fecomércio em parceria com a Alagev (Associação Latino-Americana de Gestão de Eventos e Viagens Corporativas), apesar de 2021 ter sido um ano de recuperação, com alta de 46% em relação ao ano anterior - uma receita de R$ 48,6 bilhões -, o resultado ainda ficou 47,6% abaixo de 2019.
Mesmo que haja expectativa de uma retomada mais concreta das viagens em 2022 com o avanço da vacinação, negócios que atuam no setor precisaram se reinventar para atender às novas demandas dos clientes, que envolvem da maior retenção de gastos à busca por soluções que integram todos os elementos da viagem em uma única plataforma.
“A empresa precisa atender a dois stakeholders”, conta Leonardo Bastos, CEO da Kennedy Viagens Corporativas, que disponibiliza uma plataforma de gerenciamento de todo o processo da viagem. “Um é o colaborador, a pessoa que faz uso da plataforma. Tem que mapear a jornada desse consumidor para entender como melhorar a experiência dele, trazer facilidade de uso e acessibilidade às informações”, explica. “Outro ponto é o gestor que faz o gerenciamento e precisa ter as informações com transparência, obter os dados de forma rápida e prática e saber que tudo que a empresa desenhou como política de viagens vai ser respeitado no momento da compra.”
Segundo ele, as plataformas B2C para viagens corporativas já caíram em desuso. “São necessidades diferentes. As viagens corporativas têm regras e demandas que a plataforma B2C não consegue atender. O consumidor tem, além da viagem, as despesas no destino dele. Essa gestão precisa aparecer de forma clara”, exemplifica. “É a hospedagem, o táxi, a alimentação. Hoje contemplar esses gastos de forma unificada, para que o gestor tenha o custo real da viagem, se tornou necessário e estratégico.”

Após ver uma queda de 93% no faturamento entre abril e maio de 2020 - período em que a Kennedy focou no treinamento dos colaboradores -, Bastos conta que a recuperação tem sido boa. De 2019 para cá, o faturamento subiu 57% e a base de novos clientes cresceu 73%. Além da plataforma integrada, uma das sacadas inovadoras foi a criação de um produto chamado Missão SP, que leva mais de 50 gestores e empresários para conhecer a cultura e estratégias de grandes organizações sediadas na capital paulista, como Facebook, Ambev, Stone e XP. A primeira viagem, prevista para o segundo semestre, já tem fila de espera, segundo ele.
Tecnologia para viagens mais eficientes
No caso da ExpenseOn, especializada em gestão de despesas e reembolsos corporativos, o produto ExpenseOn Travel foi criado para atender a pedidos dos próprios clientes da startup, que atende gigantes como Tenda, Creditas e Pernambucanas. O produto foi desenvolvido ao longo de 2021, aproveitando a baixa do mercado, para ser lançado este ano.
“Mesmo quase tendo quebrado no Brasil, lá fora o mercado de traveltechs estava muito aquecido e captando recurso, principalmente na Europa e nos Estados Unidos”, afirma Yanick Gudim, cofundador da startup. “Aquele bate e volta que acontecia todo dia a gente acredita que vai deixar de existir, mas para atividades essenciais e fechar negócios vai continuar. O contato humano segue importante nesses casos e as pessoas buscam cada vez mais fazer isso de forma eficiente, sustentável e com auxílio da tecnologia.”
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Também com o conceito de B2B, o ExpenseOn Travel pode reduzir em até 40% o custo da compra de passagens e integra serviços de companhias aéreas, empresas de transporte rodoviário, hotéis e locação de veículos em um único sistema. Por lá é possível ainda realizar reserva de passagens e hospedagens e fazer marcação de assento, além de o fluxo de aprovação pelo gestor ser automatizado. As despesas do cartão corporativo durante a jornada também são integradas à plataforma, que gera um relatório final, eliminando toda a necessidade de prestação de contas.
“Com o sistema, há redução de 3 a 4 pessoas antes necessárias na cadeia da organização da viagem. É tudo linear e 100% digital”, explica Gudim, que espera transacionar R$ 100 milhões nos primeiros 12 meses de operação do produto.
Mercado mobile
Para Jordana Souza, diretora de negócios da traveltech de mobilidade e viagens corporativas Voll, a pandemia veio para sacudir um mercado que não mudava há pelo menos 10 anos. “O viajante sempre foi deixado em segundo plano. Agora o foco tem que ser na experiência da viagem corporativa com conceito mobile”, diz a executiva. “Tecnologia web já tinha, mobile não. Só que as pessoas não carregam o computador com elas para tudo quanto é canto. Já o celular está sempre na mão”, observa. “O gestor recebe a notificação e aprova na hora.”
A startup, que nasceu como marketplace de mobilidade urbana e se tornou também uma plataforma de viagens integradas no final de 2020, teve que adaptar seu conceito no começo da pandemia para se manter ativa. Segundo Jordana, o perfil dos usuários mudou. “Naquele momento passamos a fazer com que os colaboradores das empresas de serviços essenciais chegassem em segurança ao trabalho”, conta. “As empresas olhavam mais para a segurança do que para o custo dessa mobilidade.”

Enquanto oferecia a solução para clientes como Pepsico e Arcos Dourados, a startup recebeu um aporte para acelerar sua plataforma de viagens corporativas. O sistema oferece soluções para transporte urbano e aluguel de carros com os principais aplicativos, cooperativas de táxi e locadoras de automóveis, passagens aéreas com companhias nacionais e internacionais, hospedagem com grandes e-commerces de hotelaria e até alimentação, por meio de aplicativos de delivery e retirada. Todos os serviços são elencados de acordo com a geolocalização do cliente, que pode comparar preços e benefícios.
“O sistema é nosso e está tudo no celular. A tecnologia oferece toda a parte de gestão com confiabilidade de dados e inteligência artificial de cruzamento desses dados para garantir o melhor custo e logística”, afirma a executiva. “Sai do conceito tradicional de que a viagem corporativa começa só no aeroporto para o conceito de end to end, que olha para toda a jornada do colaborador.” Com a novidade, a Voll triplicou de tamanho, mesmo em plena pandemia, e faturou R$ 200 milhões em 2021.
Modelo por assinatura
Outra startup especializada em gestão de viagens a trabalho, a Onfly nasceu em 2018 do desgosto dos próprios sócios, que colecionavam experiências ruins com o processo de reservas de viagens e lançamento de reembolsos nas empresas em que trabalharam anteriormente. “Era ineficiente, burocrático e gerava muita insatisfação para todos os envolvidos”, fala o CEO Marcelo Linhares, mencionando que uma das organizações inclusive passou por um problema de fraude, justamente por não ter gestão sobre os dados de viagens.
Quando chegou a pandemia, a receita da Onfly chegou a cair 99,7% da noite para o dia e eles tiveram que desligar todo o time, mantendo apenas quatro colaboradores de tecnologia. Segundo Linhares, foi preciso aprender a fazer mudanças rápidas para o momento em que o mercado voltaria a aquecer. “Como plataforma, é fundamental entregar uma tecnologia de ponta e uma experiência de uso muito superior para os colaboradores e gestores das empresas”, afirma. “Hoje existe uma diferença muito grande entre as empresas que vendem viagens a lazer na internet e as plataformas de viagens corporativas. As segundas historicamente nunca privilegiaram a experiência do usuário”, ele destaca.
O modelo de negócio, baseado em uma assinatura de software, sobreviveu graças ao senso de urgência das próprias empresas em digitalizar todos os processos para economizar. A startup saltou de R$ 7,5 milhões transacionados em 2020 para R$ 45 milhões em 2021 e tem a previsão de fechar este ano com R$ 160 milhões transacionados e 900 clientes. “Em março tivemos 8 vezes a receita do nosso melhor mês pré-pandemia”, comemora o empresário. “O que a gente tem visto agora são viagens com mais tempo no destino, sem aquela loucura de ir e voltar no mesmo dia, e viagens que realmente são mais necessárias. A pandemia fez muita empresa refletir e ver que existia muito desperdício com viagens. Elas agora são bem mais criteriosas com esses gastos.”
Além da solução tecnológica completa, ele acredita que o bom e velho atendimento com calor humano sempre vai ter espaço. “O que caiu em desuso são processos manuais e offline, como pedir cotação de passagem ou hotel por telefone ou e-mail e não ter os dados em tempo real para poder tomar decisões. Mas, independente da tecnologia, é muito importante ter um time de atendimento alinhado com as expectativas e dores dos clientes”, sublinha.