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A improbidade e o pêndulo; leia análise

Supremo parece ter adotado solução para preservar segurança jurídica, sem impunidade

Por Roberto Dias*

A Lei de Improbidade Administrativa, editada em 1992, foi um importante marco normativo de combate ao enriquecimento ilícito de agentes públicos. Sem dúvida, a aplicação dessa lei a alguns dos escandalosos casos de corrupção revelou, simbolicamente, a repulsa institucional aos desmandos que fizeram sangrar os cofres públicos nas últimas décadas.

Mas, terminologias vagas e a possibilidade de punir o administrator por ato culposo de improbidade – ou seja, sem a intenção –, fez surgir o que se chamou de “apagão das canetas”. Os gestores públicos passaram a ter receio de decidir, pois, não por corrupção, mas por um erro, poderiam sofrer severas sanções como a perda de bens e da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Por uma decisão equivocada ou por incompetência, estavam sujeitos a essas graves penas. Com todos esses desincentivos, bons quadros ou se afastaram da administração pública ou deixaram de decidir.

Quase 30 anos depois, o Congresso Nacional editou uma nova lei, que alterou significativamente o texto original. Entre muitas mudanças, a principal foi a exigência de se demonstrar a intenção de o agente público praticar o ato de improbidade para ser responsabilizado. O pêndulo punitivo, que parecia ter chegado a um dos extremos, agora aparentava se mover para o lado oposto.

Congresso aprovou revisão da Lei de Improbidade Administrativa em outubro de 2021  Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

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E foi com isso que o Supremo Tribunal Federal se deparou. As mudanças respeitariam a Constituição? Parte relevante dos debates na Corte girou em torno da retroatividade ou não das regras mais brandas criadas pela nova lei. De um lado, o argumento de que se trata de uma norma de direito administrativo sancionador e, portanto, integra o poder punitivo estatal, em sentido amplo, aproximando-se da natureza penal. Em razão disso, deveria ser aplicada a regra constitucional segundo a qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Assim, se é uma lei de natureza penal e menos severa que a anterior, ela deve ser aplicada para beneficiar os réus. De outro lado, o argumento fundado numa interpretação mais restritiva desse dispositivo constitucional: a lei de improbidade não integra o sistema penal em sentido estrito e, portanto, não deve ser aplicada aos casos anteriores.

O STF parece ter adotado uma solução para preservar a segurança jurídica, sem gerar ampla impunidade por atos de improbidade já praticados e sancionados por decisão judicial irrecorrível. Por maioria de votos, entendeu que as mudanças feitas em 2021 podem ser aplicadas a processos em andamento, mas não devem beneficiar os réus que tenham sido condenados por conduta culposa em processos já definitivamente encerrados.

Com isso, o Supremo Tribunal Federal parece ter trazido o pêndulo mais para o centro.

*PROFESSOR DE DIREITO DA FGV-SP

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