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As relações entre o Poder Civil e o poder Militar

A quiche do presidente

Bolsonaro se negou a assinar carta pela democracia em 2017 e não o faria agora, após ser eleito

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Jair Bolsonaro andava a passos largos pelos corredores do Congresso em 2017, acompanhado do filho Eduardo, quando chegou ao restaurante da Câmara. Escolheram uma mesa perto da parede. Chamaram o garçom. “O que tem para comer?”, perguntou o pai. “Quiche de espinafre e queijo”, respondeu o garçom. “O que é isso?”, questionou Jair. “É uma espécie de torta”, explicou o filho. O pai assentiu com a cabeça e pediu: “Me dá isso aí”.

O Estadão os acompanhava. Estavam atrasados para o almoço em razão da entrevista que o pré-candidato à Presidência concedera ao jornal. Convidado para a mesa, o jornalista perguntou ao pai: “Deputado, em 2002, Lula assinou uma carta aos brasileiros para acalmar o mercado. O senhor pretende assinar uma carta em defesa de democracia para acalmar o País?” A resposta veio curta e seca. “Não!”

Que não queira assinar compromisso com a democracia, é um problema do eleitor. Mas usar as Forças Armadas em evento partidário é um problema não só dos militares, mas de toda a Nação. 

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Bolsonaro não precisou assinar documento de compromisso com a democracia para convencer a maioria dos eleitores a elegê-lo em 2018. Por que faria isso agora, quando um grupo de juristas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco criou o documento “Estado de Direito Sempre!”? A vitória fácil na primeira oportunidade em que disputou a Presidência criou um mandatário que se sente desobrigado de seguir normas, de buscar o diálogo e de se comprometer com a democracia e o respeito às eleições? Após três anos e meio do governo, a gravitas, essa virtude romana, que Cícero ligava à seriedade, à austeridade e à ponderação no exercício do poder, parece ausente do Planalto.

É o que pensa o ex-chanceler Celso Lafer. Cícero via nos costumes antigos dos romanos a base sobre a qual se erguia a glória de Roma. Cabia às lideranças buscar concórdia, consenso e paz. É tudo o que falta quando se quer transformar em comício – com a ajuda de militares – as comemorações da Independência.

Há, no entanto, resistência. O general Santos Cruz disse: “As Forças Armadas não devem participar de situação constrangedora e desgastante como essa. O 7 de Setembro não pode ser dia de populismo, fanfarronice e covardia”. Outro general lembrou o exemplo dos colegas americanos diante das investidas de Donald Trump. Escreveu Rêgo Barros: “Quando Trump quis promover um grandioso desfile militar, para proveito político, os generais se opuseram”. Um deles lembrou que aquilo era coisa de ditaduras. “Não há outro caminho. Forças Armadas são servas da Constituição e da sociedade.” Que Bolsonaro não saiba o que é uma quiche de espinafre, tudo bem. Que não queira assinar compromisso com a democracia, é um problema do eleitor. Mas usar as Forças Armadas em evento partidário é um problema não só dos militares, mas de toda a Nação.

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