Aborto: o que os presidenciáveis pensam sobre a lei brasileira e possíveis mudanças

Tema já entrou na pré-campanha e acirrou ânimos entre apoiadores de Lula e Bolsonaro; novo plano de governo do petista evita o termo e Ciro Gomes diz que não é assunto para presidente

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Atualização:

Questão controversa no Brasil há décadas, a legislação sobre o aborto já entrou nos debates deste período de pré-campanha e vem gerando polêmicas a cada fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre o tema. Nesta semana, a repercussão do caso de uma menina de 11 anos que sofreu estupro e buscou um aborto legal, em Santa Catarina, fez o assunto voltar às discussões.

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Nos Estados Unidos, a legislação considerada avançada para amparar as mulheres que não querem dar à luz retrocedeu nesta sexta-feira, 24, com decisão da Suprema Corte do país de derrubar a garantia constitucional à interrupção da gravidez. Com a anulação, depois de 49 anos, cerca de metade dos Estados dos EUA deve proibir totalmente o procedimento.

No Brasil, o aborto é permitido por lei somente em casos de estupro, anencefalia (feto sem cérebro) e risco à vida. A liberação para casos de fetos anencéfalos foi incluída por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012. Em outros casos, o aborto é considerado crime pelo Código Penal, desde 1940, e pode gerar punição de um a três anos de prisão para a mulher.

Como mostrou o Estadão em maio, mais de meio milhão de mulheres recorrem à interrupção da gravidez todos os anos de forma legal ou ilegal no País. Juristas e integrantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA) destacam o risco à saúde pública devido ao grande número de procedimentos clandestinos malsucedidos. No primeiro semestre de 2020, quase 90 mil casos chegaram ao SUS (Sistema Único de Saúde).

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Saiba o que pensam pré-candidatos à Presidência sobre aborto:

Luiz Inácio Lula da Silva (PT):

No plano de governo lançado pela chapa Lula-Alckmin no começo desta semana, a palavra aborto foi evitada, assim como os termos “combate ao machismo e ao sexismo” e “direitos sexuais e reprodutivos”, que constavam em documento anterior da campanha, como observou Mário Scheffer em análise. A equipe do ex-presidente tenta evitar novos embates sobre o tema com apoiadores do atual governo, assim como vem tentando angariar mais votos entre os cristãos e evangélicos.

Lula foi alertado por aliados para medir as palavras após sinalizar a intenção de discutir a atual legislação relacionada ao aborto. “O aborto deveria ser transformado em uma questão de saúde pública e todo mundo ter direito e não ter vergonha”, disse o petista em evento em abril.

Lula e Alckmin durante lançamento das diretrizes do plano de governo, em São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão

Durante os governos de Lula e Dilma Rousseff (PT), não foram propostas alterações na legislação para ampliar as possibilidades de interrupção da gravidez por decisão das mulheres. Depois do episódio em que foi repreendido, Lula não voltou a se pronunciar publicamente sobre o tema. Geraldo Alckmin (PSB), anunciado como pré-candidato a vice-presidente na chapa do petista, é católico e não costuma falar sobre o assunto.

Na eleição de 2010, Dilma teve de recuar depois da repercussão negativa de seu programa inicial de governo, no qual defendia a legalização da interrupção da gravidez. Chegou a enviar uma carta a igrejas cristãs para afirmar ser contra o procedimento. Comprometeu-se ainda a não tentar modificar a legislação.

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Jair Bolsonaro (PL):

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, defenderam nos últimos dias a juíza que, durante audiência com menina de 11 anos que sofreu estupro, questionou se ela “aguentaria mais um pouquinho”. O senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, também repercutiu a decisão da Suprema Corte dos EUA em publicação “a favor da vida”. Uma cartilha recente divulgada pelo Ministério da Saúde do governo Bolsonaro, hoje comandado por Marcelo Queiroga, desinforma ao afirmar que o aborto não tem vias legais no Brasil e que seria considerado crime “exceto em situações de excludente de ilicitude e após investigação”.

Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o Palácio do Planalto, em 2019, várias tentativas de apoiadores para reduzir as possibilidades de aborto legal - mesmo nos casos de estupro, anencefalia e risco à vida - não tiveram sucesso no Congresso ou no Poder Judiciário. Em levantamento feito pelo Estadão no começo de maio, 26 propostas que tentavam elevar a pena prevista para as mulheres e profissionais da saúde, barrar a venda de remédios e até facilitar a prisão já haviam sido apresentadas na atual legislatura. A questão, porém, é considerada “pacificada” no Legislativo inclusive por alguns apoiadores do presidente, como o médico e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), ex-ministro da Cidadania.

O Presidente da República, Jair Bolsonaro, na cerimônia 'Brasil pela Vida e pela Familia' no Palácio do Planalto. Foto: Wilton Junior/Estadão

Na oposição, representantes do Psol e de outros partidos de esquerda vêm votando contra e mantendo os projetos da base aliada de Bolsonaro fora do plenário. A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Cristiane Brito, que substituiu Damares Alves (Republicanos), afirmou nesta semana que o importante, em casos como a da menina de Santa Catarina, é “garantir a segurança da mulher”. Damares, que deixou o cargo para concorrer a um cargo no Congresso, já afirmou que o ex-presidente Lula teria como pauta a “cultura da morte”.

Ciro Gomes (PDT):

Em ato do PDT para um grupo de “cristãos trabalhistas” ligado ao partido, o ex-ministro e pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, fez críticas a declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o aborto. Também em busca do voto cristão e evangélico, Ciro afirmou aos correligionários que o tema “não deve ser tratado pelo presidente da República”.

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Ciro Gomes no lançamento de sua pré-candidatura, em janeiro.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

“Ele próprio, oito anos presidente, não mexeu uma palha no assunto. Eu não o condeno por isso, porque não é tarefa do presidente. Isso é um trauma que qualquer sociedade humana não sabe como resolver. Não sabe pura e simplesmente”, afirmou Ciro.

Simone Tebet (MDB):

Em entrevista ao podcast ‘O Assunto’, do G1, nesta semana, a senadora e advogada Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que a recente cartilha do Ministério da Saúde que aponta crime em qualquer tipo de aborto é “inconstitucional e não vale nada”.

A senadora Simone Tebet em evento em São Paulo. Foto: JF Diorio/Estadão

Em ocasiões anteriores, Simone afirmou que é contrária à ampliação das atuais formas legais de interrupção da gravidez no Brasil. Ela atua nas frentes parlamentares de defesa das mulheres no Congresso e, na CPI da Covid, ficou conhecida por enfrentar colegas que defendiam o “tratamento precoce” contra a covid-19.

André Janones (Avante):

O deputado federal André Janones (Avante-MG) considerou “infeliz” a fala de abril do ex-presidente Lula sobre aborto. Em publicação em suas redes sociais, ele afirmou ser “100% a favor da vida, portanto, contra o aborto”. Ele já afirmou que não defende “estímulo de políticas públicas para interrupção da gravidez”.

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O deputado federal André Janones é pré-candidato pelo Avante. Foto: Alex Silva/Estadão

Luciano Bivar (União Brasil):

Em entrevista ao Estadão nesta semana, o deputado federal Luciano Bivar (União Brasil) se disse “liberal na economia e nos costumes” e defendeu a decisão da mulher sobre interromper ou não a gravidez. “Queremos que os liberais sejam democratas. Aborto por exemplo é uma decisão da mulher. Milhares de mulheres morrem em abortos clandestinos”, afirmou.

O deputado federal Luciano Bivar é pré-candidato pelo União Brasil. Foto: Daniel Teixeira/Estadão