O discurso adotado pelo governo Jair Bolsonaro de minimizar dados sobre aumento de desmatamento, de flexibilizar regras sobre áreas de preservação e os frequentes embates com outros países relacionados ao tema ambiental causam apreensão e têm sido classificados como prejudiciais pelo agronegócio. O incômodo se tornou explícito após publicações estrangeiras, como a revista britânica The Economist, criticarem a atual política ambiental do Brasil.
A repercussão negativa, aliada a pressões do setor, levou a área de comunicação e o Itamaraty a prepararem uma campanha no exterior para tentar rebater narrativas que, na visão de integrantes do governo, podem afetar o País comercialmente. O agronegócio aponta risco de impacto negativo em acordos comerciais e, por tabela, na arrecadação com exportações.
O alerta foi levado ao Palácio do Planalto pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que chegou ao cargo por indicação da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), a chamada bancada ruralista no Congresso. Ela defende uma campanha sobre o assunto para mostrar que o Brasil é uma “potência agrícola séria”.
Durante as tratativas do acordo entre Mercosul e União Europeia, a ministra ouviu de europeus que o mais importante para concluir a negociação não é convencer autoridades, e sim combater a disseminação de informações negativas sobre o Brasil.
Em evento nesta segunda-feira, 5, em São Paulo, o presidente do Instituto CNA, braço da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Roberto Brant, evidenciou o incômodo e disse que o governo federal “está prejudicando” a imagem do agronegócio, “construída lentamente com o tempo”.
“Falar em garimpar em território indígena serve a quem? O governo deveria estar falando em métodos e processos para vigiar a Amazônia para valer”, afirmou Brant no evento promovido pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “Por que não gastamos para valer neste sentido, fazemos um grande ruído e mostramos isso (que o setor está protegendo a Amazônia) para o mundo?”
Para o diretor executivo da Abag, Luiz Cornacchioni, o principal ponto a ser combatido é justamente o desmatamento ilegal. “A gente está vivendo uma sequência de fatos que, de alguma maneira, está repercutindo lá fora”, disse.
A preocupação do diretor da Abag tem como fundamento o fato de que a imagem do Brasil como um país que não adota práticas sustentáveis na produção agropecuária e não preserva suas florestas afeta a venda de produtos em mercados mais exigentes, como a Europa.
O líder da bancada ruralista, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), vê interesses externos nas críticas às questões ambientais. “Do ponto de vista de quem de fora para dentro nos vê como concorrente, isso é absolutamente natural”, disse ele.
Integrantes da bancada, que deram suporte à eleição de Bolsonaro, evitam fazer críticas a declarações do presidente, mas admitem que o governo precisa reagir ao que consideram uma ofensiva contra o País. “A gente tem de parar de errar, somos ‘antipropaganda’. Não é do Bolsonaro. É histórico nosso. Claro que o perfil do presidente é mais incisivo, então ele chama mais atenção na postura que ele toma. Dá mais impacto”, afirmou o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS).
Ao falar sobre a campanha internacional, na segunda-feira, o Secretário Especial da Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, admitiu que a comunicação "tanto para fora quanto para dentro está poluída". "A Secom está em fase final de planejamento de uma campanha internacional para resgatar a verdade", disse no início da semana.
Nos últimos dias, porém, Bolsonaro mudou o discurso em ao menos um dos pontos alvo de polêmica. Antes categórico ao defender a liberação da mineração em terras indígenas, o presidente disse na sexta-feira que poderia fazer inicialmente uma consulta pública sobre o tema.
Nesta terça, porém, voltou a provocar a premiê da Alemanha, Angela Merkel, e o presidente da França, Emmanuel Macron. “Eles não se deram conta de que Brasil está sob nova direção”, disse, em referência a críticas que os dois já fizeram sobre a questão ambiental no Brasil. A avaliação de aliados é de que o presidente é "espontâneo" e não é possível controlar o seu discurso.
As críticas, no entanto, partem até mesmo de dentro do governo. O pesquisador da Embrapa Eduardo Assad avalia que há erro na forma como a atual gestão trata o assunto. “Eu acho que o governo está dando uma grande mancada fazendo o que está fazendo. Em vez de ter uma agenda reativa ao desmatamento, ele deveria ter uma agenda proativa, buscando a solução do problema.”
Na semana passada, Bolsonaro demitiu o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão. Dias antes, convocou uma coletiva de imprensa no Planalto para tentar rebater pessoalmente dados da instituição que mostraram aumento do desmatamento na Amazônia.
Para integrantes do governo, a reação negativa de outros países em relação ao Brasil também se deve ao ritmo de liberação de agrotóxicos, que é o maior já documentado pelo Ministério da Agricultura. Na terça, Tereza Cristina afirmou que é preciso "ganhar a guerra da comunicação" e chamou jornalistas para dizer que o uso de pesticidas não prejudica a saúde.
Foco da campanha internacional será em países europeus
O foco da campanha internacional será em países europeus como Alemanha, França e Reino Unido. A ideia é lançar vídeos em setembro, período que coincide com a participação de Bolsonaro na 72.º Sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York (EUA). A campanha deve ir até dezembro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, faz parte da iniciativa e vai à Europa no próximo mês para, segundo ele, mostrar “o que é o Brasil de verdade”. Ao Estadão/Broadcast, Salles disse que a ideia é mostrar que o Brasil pensa em um “plano factível” para conter o desmatamento e buscar mais apoio financeiro estrangeiro para executar novas ações.
Ao falar sobre a campanha internacional, na segunda-feira, o Secretário Especial da Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, admitiu que a comunicação "tanto para fora quanto para dentro está poluída". "A Secom está em fase final de planejamento de uma campanha internacional para resgatar a verdade", disse. / COLABORARAM TÂNIA RABELLO, CLARICE COUTO e VINICIUS PASSARELLI