O jornalista Carlos Andreazza vê o debate no Brasil hoje mergulhado em uma espécie de “8 de janeiro permanente”, com a ideia difundida de que qualquer crítica enfraquece o governo atual e pode abrir espaço para a volta do anterior.
É chamando a atenção para este tema que ele lança, nesta segunda-feira, 17, às 19h, na Livraria Travessa, em Pinheiros, zona oeste, seu novo livro, “Se criticar, Bolsonaro volta” (Edições 70). A obra é uma coletânea de artigos publicados nos jornais Estadão e O Globo e analisa o período pós-eleição de 2022. Andreazza explora a transição entre os governos de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de discutir suas consequências políticas e econômicas.
Com 270 páginas divididas em 11 partes, o livro reúne cerca de 110 textos escritos entre 31 de outubro de 2022, data da vitória de Lula, e agosto de 2024. Segundo Andreazza, que é colunista do Estadão desde maio de 2024, a seleção dos artigos considerou a relevância dos temas e seu impacto na dinâmica do governo.

“Não queria falar apenas da eleição em si, mas sim da transição. Apesar de todos os problemas e dificuldades criados por Bolsonaro e seu movimento golpista antes mesmo da posse, houve elementos de continuidade que merecem atenção”, afirma.
Criticar o governo Lula parece significar trabalhar para o retorno da direita, de Bolsonaro, ou ser associado a um golpe iminente
Carlos Andreazza
Entre os principais temas da obra, o autor destaca a manutenção do orçamento secreto e da gestão das emendas parlamentares, a permanência da estrutura política liderada por Arthur Lira (PP-AL), então presidente da Câmara, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), então presidente do Senado, além da PEC da Transição como peça central para compreender o governo Lula. “Não tivemos apenas a ‘reeleição’ de Lula, mas também do esquema do orçamento secreto”, observa.
O título “Se criticar, Bolsonaro volta” reflete um fenômeno que, segundo Andreazza, limita o debate público. “Criticar o governo Lula parece significar trabalhar para o retorno da direita, de Bolsonaro, ou ser associado a um golpe iminente”.
Para ele, essa dicotomia também se manifesta no Supremo Tribunal Federal, especialmente na atuação do ministro Alexandre de Moraes. “Se você critica suas ações, imediatamente é tachado de golpista, fascista, extremista. Mas nenhum governo encarna a democracia. Se depender de uma figura ou de um grupo, então nossa democracia está doente”, afirma.
A economia também ocupa um papel central na obra. Andreazza critica o que chama de “voo de galinha” do crescimento brasileiro, afirmando que o atual ciclo econômico é sustentado artificialmente para viabilizar a reeleição de Lula em 2026. “O governo está despejando bilhões para induzir um crescimento que já vimos explodir no passado e que, acredito, explodirá novamente — só que depois da eleição”, alerta.
Outro ponto abordado é o modelo de gestão das emendas parlamentares, que, segundo ele, continua sendo um instrumento de distribuição de recursos sem transparência. “Poucos controlam esses recursos, e quem está fora desse círculo simplesmente não recebe”, afirma.
Questionado sobre o impacto esperado de sua obra, Andreazza é direto: “O Brasil superestima o impacto da leitura. Poucas pessoas compram livros e menos ainda os leem.” Sua expectativa é que aqueles interessados no tema possam refletir sobre as análises apresentadas. “Não tenho pretensão de mudar o mundo. Quero apenas oferecer elementos para reflexão. Se alguém sair da sua bolha e considerar outro ponto de vista, já me dou por satisfeito.”
Veja os principais trechos da conversa com Carlos Andreazza:
Eu queria começar entendendo qual foi o critério que você usou para definir o período abordado no livro. O recorte de 31 de outubro de 2022 até agosto de 2024 tem um significado específico? Como foi o processo de escolha dos artigos que entraram no livro?
Eu queria um recorte que captasse o período de transição. Não queria falar da eleição de 2022 em si, mas sim do que veio depois. Acho que pouca gente se dedicou a esse momento, que foi muito importante. Apesar de todos os problemas e dificuldades criados por Bolsonaro, incluindo seu movimento golpista antes mesmo da posse, houve elementos de continuidade que merecem atenção. Por exemplo, a manutenção do orçamento secreto e da gestão das emendas parlamentares ocorreu sem rupturas, sem abalos, sem um “8 de janeiro” entre Bolsonaro e Lula.
Essa transição também teve a ver com a reeleição da estrutura parlamentar comandada por Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Em 2022, não tivemos apenas a ‘reeleição’ de Lula, mas também do esquema do orçamento secreto, algo crucial para entender os desdobramentos do governo Lula, principalmente na área econômica. A PEC da Transição é outro ponto essencial para compreender a cabeça do governo Lula.
Quanto à seleção dos artigos, ela foi guiada pelos temas que considerei mais relevantes nesse período. O próprio subtítulo do livro serve quase como um índice: o “Brasil pós-capeta” – uma provocação ao Bolsonaro –, as promessas econômicas do governo Lula, o simbolismo da “volta da picanha”, a farsa do arcabouço fiscal e a continuidade do orçamento secreto. Além disso, há a atuação do Supremo Tribunal Federal, especialmente na figura de Alexandre de Moraes, e a gestão dos inquéritos que chamo de “xandônicos”, com essa ideia de que a democracia foi salva por uma figura só, o que é um contrassenso.
O título do livro parece uma provocação. A de que criticar o governo Lula muitas vezes é interpretado como apoio ou alinhamento automático ao bolsonarismo. Como surgiu essa ideia e por que, na sua visão, está tão difícil separar uma crítica ao governo de uma defesa ao bolsonarismo?
O título “Se criticar, Bolsonaro volta” reflete exatamente o espírito do livro. Quem trabalha com jornalismo de opinião sobre política e economia enfrenta essa “intimidação influente”. Se você critica o governo Lula – que é tratado como a salvação da democracia –, automaticamente se torna suspeito de trabalhar pela volta da direita, do bolsonarismo, do golpe.
Chamo isso de “8 de janeiro permanente” – a ideia de que qualquer crítica enfraquece o governo e pode abrir espaço para a volta do esquema anterior. Se você questiona o Supremo ou as decisões de Alexandre de Moraes, então é fascista, golpista, extremista. É uma estratégia clara de intimidação. O problema é que nenhum governo encarna a democracia. Se nossa democracia depender da figura de um único governante ou ministro, então ela está doente.
Além disso, essa lógica só prosperou porque o Brasil vive há mais de uma década uma depressão política que esgarça o tecido social e impede o debate. Desde o julgamento do Mensalão ou das manifestações de 2013, o país se tornou um ambiente de bolhas ideológicas. Hoje, adversários não existem mais – só inimigos. Isso facilita a propagação dessa visão binária: ou você está com Lula ou está com Bolsonaro.
Dentro dos temas que você aborda no livro, há algum que você considera o mais representativo do nosso momento atual e que sintetize o Brasil pós-2022, pós-Bolsonaro?
Entre os temas que mais me preocupam está a economia. O crescimento econômico atual, para mim, é um “voo de galinha” – insustentável, mas planejado para garantir a reeleição em 2026. O governo injeta bilhões para induzir artificialmente o crescimento, algo que já vimos explodir no passado e que provavelmente explodirá de novo, mas só depois da eleição.
Outro ponto central é o orçamento secreto e a gestão autoritária das emendas parlamentares. O problema não é só a falta de transparência, mas o fato de que esse dinheiro tem donos – e não são os deputados, mas sim três ou quatro caciques do Congresso. Eles decidem quem recebe recursos e quem não recebe, criando um esquema de fidelidade e concentração de poder muito perigoso.
Por fim, há o Supremo Tribunal Federal e, em especial, Alexandre de Moraes. O livro aponta a contradição de uma “defesa da democracia” feita de maneira autoritária. Isso é algo que precisa ser debatido, porque vivemos um momento em que tanto a tentativa golpista da extrema-direita quanto a gestão autoritária da repressão coexistem.
Os grandes personagens desse período são Arthur Lira, Lula, Haddad, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Davi Alcolumbre e, claro, Bolsonaro num primeiro momento. Mas minha atenção está voltada para o governo atual.
Serviço
Data: 17 de março, às 19h
Local: Livraria Travessa, Rua dos Pinheiros, 513 - Pinheiros, São Paulo