Animação infantil narra história de famílias que sobreviveram ao Holocausto

Projeto resgata memórias como a de Ernesto Strauss, cuja trajetória é recontada pela bisneta Manuela

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Por Adriana Ferraz
3 min de leitura

Em 1933, Ernesto Strauss aprendeu o significado da palavra intolerância. E não foi pelos livros, mas pela discriminação praticada em sala de aula por seus colegas em Frankfurt, na Alemanha. “Um dia, aos 7 anos, apanhou tanto que disse à mãe que não voltaria à escola e passou a estudar numa sinagoga perto de casa”, relatou a bisneta Manuela Strauss, de 8 anos. Representante da quarta geração da família no Brasil, coube a ela resgatar a história de resiliência do bisavô a partir de uma animação voltada a ensinar às crianças os horrores do Holocausto.

Com uma linguagem simples e direta, o desenho resume a luta da família Strauss para sobreviver e permanecer unida durante a caça a judeus promovida pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Em um dos trechos, Manuela aborda a onda de violência antissemita que ocorreu nos dias 9 e 10 de novembro de 1938. “Homens, mulheres e idosos foram espancados e insultados, lojas foram saqueadas, móveis jogados pelas janelas, sinagogas incendiadas e livros religiosos rasgados e queimados. Era a Noite dos Cristais”, narra Manuela.

Em um dos episódios da série, Manuela Strauss, de 8 anos, relembra a história do bisavô Ernesto Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Em meio ao cheiro forte do fogo ateado na sinagoga que frequentava, Ernesto viu seu pai, Paul Strauss, ser levado pela polícia de Adolf Hitler a um dos milhares de campos de concentração construídos para exterminar os judeus. “Ele ficou 30 dias preso em Buchenwald. Só conseguiu sair porque comprovou que havia sido condecorado por bravura na Primeira Guerra”, disse Manuela, um das participantes do projeto Milhões de Vozes, parceria entre a Universidade de Pernambuco (UPE) e o Museu do Holocausto, de Curitiba.

Idealizada em 2020 pelo professor Karl Schurster, que desenvolve estudos na área de ensino do Holocausto na UPE, a animação sobre Ernesto Strauss é parte de uma série de 18 episódios baseada em testemunhos de sobreviventes cujas trajetórias foram documentadas pelo museu – oito deles já estão publicados em canal no YouTube.

“Para cada uma das 18 histórias há um objeto biográfico, que se conecta com um tema educativo a partir do ensino de história do Holocausto”, afirmou a professora Alana de Moraes Leite, que faz parte do grupo idealizador e produtor da série. Segundo ela, é importante pensar estratégias para o ensino da história que estejam relacionadas à vida de professores e estudantes, como responsabilidade, esperança, identidade, resiliência e infância.

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Por mais que a concepção do projeto tenha como alvo o público infantil, Alana observou que, dando a devida complexidade, é possível utilizá-lo em qualquer nível de ensino. “Além disso, as animações têm potencial enorme para gerar outros materiais.” Um deles está no forno: um livro organizado pelo Museu do Holocausto com as histórias selecionadas.

Para as crianças e adolescentes escolhidos como narradores dos dramas vividos por seus parentes, o convite foi desafiador e, ao mesmo tempo, educativo. Manuela nem bem tinha aprendido a ler e a escrever quando recebeu o convite do projeto. “O texto era longo e tive de treinar várias e várias vezes. Mas com ele aprendi a história do meu bisavô”, disse a garota, que mora com os pais em São Paulo.

Ernesto Strauss chegou ao Brasil com os pais e o irmão, Walter, em 1939. Passou parte da vida em Perdizes, na zona oeste da capital, onde mantinha uma loja de bijuterias. Com a mulher, que também fugiu do Holocausto – ela embarcou no navio seguinte –, teve um filho, duas netas e dois bisnetos. Cercado de amor, morreu aos 95 anos, em setembro de 2021, a tempo de conhecer Lucas, 3 anos, o caçula dos Strauss.

Aos 8 anos, Manuela já compreendeu a mensagem pretendida pelo projeto. “Todas as pessoas precisam saber o que é o Holocausto para que isso não aconteça de novo e de novo.”

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