Durante 23 anos, Geni Pereira da Silva trabalhou na biblioteca do Supremo Tribunal Federal (STF), ajudando na limpeza dos livros. Mas sem saber ler. Hoje, escreve cartas com erros de português e com a caligrafia torta. "Eu como letras, mas antes não sabia nem desenhar o nome", constata. Aos 69 anos de idade, está alfabetizada graças a um curso que começou a freqüentar em março, no próprio STF, promovido por servidores envolvidos no trabalho voluntário de alfabetizar funcionários terceirizados. Para orgulho da família e apreensão dela, Geni será a oradora na formatura dos 48 alunos recém-alfabetizados, na segunda-feira. "Tenho medo de não agüentar e cair dura", confidencia a mãe de oito filhos, avó de "18 ou 20 netos" e bisavó de duas crianças. Ela mora em uma casa simples na cidade-satélite do Gama, uma das mais violentas do Distrito Federal. "Antes eu não sabia sacar dinheiro, nem preencher cheque; hoje, já sei procurar um livro quando um advogado chega", conta, ressaltando que, apesar de formada, vai continuar freqüentando as aulas no STF todos os dias, das 14 horas às 16h30. Agora que aprendeu a escrever o nome, ler placas e letreiros de ônibus, Geni tem um sonho: quer, na formatura, tirar uma fotografia com o presidente do Supremo, Marco Aurélio Mello, "muito simpático e bonitão", segundo ela. Colega de classe de Geni, Elizabeth da Silva relatou sua experiência em carta: "Eu aprendi nesses cinco meses que nunca é tarde para começar." Na correspondência, Elizabeth demonstra conhecimentos de gramática e de matemática. "Aprendi aqui na escolinha que, na palavra que tem dois erres ou dois esses, quando se separa as sílabas, elas não podem ficar juntas. Aprendi a fazer contas de mais e de menos." Além do trabalho voluntário de servidores do STF, a alfabetização teve a colaboração da Universidade de Brasília (UnB), que forneceu material didático e treinou os "professores". "Achei importante a valorização dos terceirizados e o retorno que eles deram ao projeto", avalia a técnica judiciária Maria Rita Pires de Souza, instrutora do curso, que já está em sua segunda edição. Os obstáculos encontrados não se restringiram à falta de conhecimento dos alunos. Segundo o STF, 38 dos 48 alunos tinham problemas de visão. Para resolvê-los, foi feita uma campanha com o objetivo de comprar óculos. "Nós somos privilegiados, vivemos em uma realidade e não sabemos as dos outros; as pessoas precisam ser mais solidárias e não esperar o tempo: o momento é agora", disse a coordenadora do programa, Ângela Santarém.