Em outubro de 2018, a dentista Sônia Regina Schindler, de 58 anos, foi à cabine de votação sem dúvidas. Incomodada com os governos petistas, apertou 17 e ajudou a eleger Jair Bolsonaro presidente. Um ano e meio depois, se arrepende da escolha. “Acordei com a crise da saúde”, afirmou a eleitora de Brusque, Santa Catarina.
A falta de empatia do presidente com os doentes e a tese de que a covid-19 seria uma “gripezinha” foram apontadas como motivo para a desconfiança de apoiadores de Bolsonaro em pesquisa qualitativa conduzida por professores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) durante a pandemia. “Estou formada há 35 anos, trabalho no SUS desde sempre, não posso compactuar com governo que abandona a saúde”, disse Sônia.
O levantamento da Unifesp identificou três perfis de bolsonaristas: os “fiéis”, que mantêm um apoio constante ao presidente; os “apoiadores críticos” e os “arrependidos”, que se decepcionaram com o presidente e desejam que ele saia do cargo. Os arrependidos apontam três razões para se sentirem assim: episódios de desdém por parte do presidente em relação aos mortos; o estilo agressivo de governar, que criou instabilidade sobretudo com governadores; e a conduta de Bolsonaro em relação aos filhos Flávio, Eduardo e Carlos.
A professora aposentada de Curitiba Maria Christina Cardoso, de 61 anos, e sua filha, a representante farmacêutica Deborah Cardoso, de 30, também estão no grupo dos arrependidos. “Me envolvi muito com o movimento da Lava Jato e quando ele (Bolsonaro) surfou nessa onda, infelizmente, acreditei. Me arrependi quando ele começou a se indispor com (o ex-ministro da Justiça Sérgio) Moro”, disse Maria Christina. “Vi que o combate à corrupção não era seu compromisso.” O ex-juiz da Lava Jato deixou o governo em abril acusando o presidente de interferência na Polícia Federal.
Deborah afirmou que votou em Bolsonaro principalmente por alternância de poder. A pandemia trouxe o arrependimento. “Com tudo que está acontecendo, sinto vergonha de falar que votei nele e me sinto responsável pelo que está acontecendo”, disse. “Além de incoerente com sua campanha eleitoral, a minha opinião é que é um governo fascista.”
Apesar de desiludidos e frustrados, porém, alguns desses “arrependidos” dizem que mesmo assim poderiam votar em Bolsonaro de novo em 2022, mostrou a pesquisa da Unifesp. Desta vez, não por esperança ou desejo de mudança, como afirmaram ter feito em 2018, mas por não enxergar nenhuma alternativa política ou eleitoral.
Outro levantamento, este da FGV com mais de 7 mil entrevistados, explorou a relação entre os impactos do coronavírus e a preferência eleitoral das pessoas. Os resultados apontaram que a proximidade com alguém que veio a falecer pela covid-19 reduz em torno de 20% as chances do eleitor de direita e centro direita votar em Bolsonaro.
Retórica
“O bolsonarismo fiel não tem uma fidelidade absoluta e total ao projeto bolsonarista. Mesmo os mais radicais avaliaram negativamente a gestão de Bolsonaro na pandemia e a tese da ‘gripezinha’”, disse a pesquisadora Esther Solano, que conduziu o levantamento da Unifesp. “É uma rachadura e uma quebra de confiança até no bolsonarismo fiel. Os 30% de apoio da base do presidente não são absolutamente coesos e não têm fidelidade total a longo prazo.”
A pesquisa da Unifesp foi conduzida por meio de entrevistas em profundidade com 27 pessoas que disseram ter votado em Bolsonaro, compõem as classes C e D e moram na região metropolitana de São Paulo.
Para o cientista político Carlos Melo, os dados possibilitam deixar mais claras as divisões dentro do bolsonarismo. “O bolsonarismo é mais crítico na postura do presidente na covid-19, a economia é relativizada, e os filhos aparecem como um grande problema para o presidente, um calcanhar de Aquiles, mesmo para o grupo que votou nele.”
Uma “vitória” de Bolsonaro é a retórica da dicotomia saúde versus economia. Os entrevistados têm medo da covid-19, mas têm igualmente medo do desemprego. As pessoas gostariam de manter o isolamento, mas pensam que este é inviável para quem é pobre. “Se essa narrativa tiver mais reverberação, a base bolsonarista pode se manter estável e talvez consiga reverter a tendência de queda”, disse Esther.
O auxiliar de almoxarifado Jidijá Tyaki Marques, de 27 anos, mantém o apoio ao presidente, mas “não como antes”. Ele critica o episódio da “gripezinha” – foi assim que Bolsonaro se referiu à covid-19 em um pronunciamento em março. “(O governo é) Bom, mas ainda tem bastante coisa pra melhorar”, afirmou.
Quem também não se arrepende do voto em Bolsonaro é Sueli Salvestro, professora de 63 anos. “Ele está se esforçando”, disse a moradora de Sorocaba (SP). “Avalio que ele não tem culpa (sobre o coronavírus), que ele avisou a respeito do carnaval. Ele alertou.”
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