Articulação por anistia do 8/1 tem dossiê, protestos, doação de salário e almoço com Bolsonaro

Além do trabalho de bastidor, ex-presidente e aliados organizam ato em SP que tem sido tratado como termômetro do apoio popular à pauta

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Foto do author Guilherme Caetano

BRASÍLIA – Por trás da atuação parlamentar pela aprovação da anistia aos presos do 8 de Janeiro, militantes e familiares dos envolvidos nos ataques aos Três Poderes têm se dedicado a manter a pauta nos holofotes.

Na medida em que avançam os julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os denunciados na tentativa de golpe de Estado, a Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (Asfav) e seus aliados vêm lançando mão de iniciativas diversas para fortalecer a narrativa de perseguição e pressionar a opinião pública a seu favor.

Ato pela anistia dos presos no 8 de Janeiro em Copacabana, com a presença de Jair Bolsonaro Foto: Pedro Kirilos

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A pauta, dizem seus articuladores, chegou nos últimos dias ao seu momento de maior exposição — impulsionada, na opinião da advogada da Asfav, Carolina Siebra, pelo julgamento da cabeleireira Débora Rodrigues no STF no fim de março, feito paralelamente à apreciação da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Jair Bolsonaro (PL) e outros por tentativa de golpe de Estado. Os dois casos abriram uma nova oportunidade para os aliados do ex-presidente retomarem a ofensiva pelo perdão aos presos.

Débora é acusada de praticar cinco crimes, entre eles associação criminosa armada e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Mas a versão de que ela poderia ser condenada a 14 anos de prisão apenas por ter pichado com batom a frase Perdeu, mané” na estátua da Justiça tem sido usada para questionar supostos excessos dos ministros da Corte. A cabeleireira virou símbolo-mor da pauta da anistia — e, em meio à pressão sobre o caso, ela teve a prisão convertida em domiciliar pelo STF.

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Para manter a pauta nos holofotes, advogados bolsonaristas organizam um almoço com Bolsonaro para o dia 10 de abril em Brasília, com ingressos a R$ 200. A intenção é usar o evento para dar repercussão à denúncia que eles devem protocolar na Organização dos Estados Americanos (OEA) a respeito das condições dos presos.

A Asfav elaborou um dossiê de 102 páginas com o que ela julga ser abusos e violações dos direitos de bolsonaristas encarcerados. O documento diz que as pessoas detidas pela Polícia Federal (PF) no acampamento em frente ao quartel-general do Exército e dentro dos prédios públicos sofreram tortura e maus tratos por parte dos agentes.

O relatório destaca, por exemplo, a carência de itens de higiene e roupas para os bolsonaristas presos, dificuldades de visitação impostas às famílias, destruição de bens pessoais, “excessiva gravidade das medidas cautelares impostas aos réus soltos” e violações às prerrogativas dos advogados. O documento cita 48 supostas irregularidades processuais e outras queixas.

A Asfav tem feito um périplo pelo gabinete de autoridades para tentar sensibilizá-las, muitas vezes em vão. A agenda inclui a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), o governo do Distrito Federal, o Ministério dos Direitos Humanos, gabinetes de parlamentares bolsonaristas e uma aposta em alcançar alguma repercussão internacional.

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Além de protocolar dezenas de denúncias de violações junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, a Asfav se encontrou com a comunidade de brasileiros na Flórida, em Washington e em Nova York, deu entrevistas a comunicadores bolsonaristas nos Estados Unidos e fez um pronunciamento em frente ao Congresso americano. O grupo também se reuniu com a Alliance Defending Freedom, que defende pautas conservadoras, e compareceu ao CPAC (Conservative Political Action Conference), evento ligado à direita radical americana.

“A associação tem se dedicado à defesa das vítimas do 8 de Janeiro. E quando eu digo isso, não estou falando que eu quero impunidade ou que nada aconteceu no 8 de Janeiro. Nós queremos que as pessoas que cometeram eventuais crimes paguem na proporcionalidade do seu ato”, diz a presidente da Asfav, Gabriela Ritter, filha de Miguel Fernando Ritter, preso no episódio.

Se a articulação da Asfav não tem conseguido furar a bolha, a associação vem conquistando prioridade na agenda de parlamentares bolsonaristas. O senador Eduardo Girão (Novo-CE), por exemplo, anunciou a doação de seu salário do mês de fevereiro para o grupo — uma remuneração bruta de R$ 46,3 mil.

Além do trabalho de bastidor, Bolsonaro e seus aliados organizam para o próximo domingo, 6, na Avenida Paulista, a primeira manifestação de rua após ter se tornado réu no STF. O ato tem como mote o perdão aos condenados pelo 8 de Janeiro e será um teste da capacidade de Bolsonaro levar à população às ruas após o protesto esvaziado na praia de Copacabana em março — que também teve a anistia como chamariz e reuniu 18,3 mil pessoas, segundo levantamento da USP.

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Na última semana, parlamentares do PL se dedicaram a promover coletivas de imprensa no Salão Verde da Câmara dos Deputados para manter a pauta em evidência. Em três momentos, as lideranças da bancada, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), e da minoria, Caroline de Toni (PL-SC), pronunciaram-se a jornalistas numa tentativa de criar fatos políticos.

Na terça-feira, 1º, os bolsonaristas anunciaram uma medida para tentar sustar a ação penal que tornou o deputado federal Delegado Ramagem (PL-RJ) réu no STF. No dia seguinte, a bancada trouxe familiares de presos do 8 de Janeiro ao Congresso para denunciar o que eles consideram ser violações humanitárias nas prisões. Na quinta, 3, o trio declarou que o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), acatou o recurso a favor de Ramagem.

Questionado se a agenda desta semana na Câmara fortalece a mobilização para o ato do domingo, Sóstenes atribuiu ao eventual tamanho do evento em São Paulo um termômetro sobre o apoio popular à pauta. “Nós temos certeza que haverá uma multidão, muito maior do que a esquerda conseguiu colocar no domingo passado, a favor da anistia. Vamos provar a todo o Brasil que temos a maioria do povo defendendo os inocentes do 8 de Janeiro”, afirmou, referindo-se ao ato organizado pela esquerda contra a anistia, que reuniu 6,6 mil, de acordo com pesquisadores da USP.

A bancada bolsonarista também aprovou a criação de uma subcomissão especial sobre o 8 de Janeiro na Câmara dos Deputados. Foi o único requerimento aprovado no colegiado na terça-feira, enquanto o PL conduz uma obstrução total enquanto a anistia não for pautada, de modo a impedir todos os trabalhos no Legislativo.

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O discurso formal de Bolsonaro e de seus aliados sobre a anistia do 8 de Janeiro tem se concentrado nos militantes presos. Mas o projeto de lei articulado na Câmara dos Deputados que propõe perdoar os crimes referentes àquele episódio têm brechas para beneficiar diretamente o ex-presidente.

Como mostra o Placar da Anistia do Estadão, 194 dos 513 deputados federais apoia a proposta – um número suficiente para garantir a apresentação da proposta de urgência do projeto de lei no plenário da Casa.

Apesar de o projeto original, proposto pelo então deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), ter sido protocolado em 24 de novembro de 2022, mais de um mês antes dos ataques aos Três Poderes em Brasília, a proposição recebeu sete apensamentos para abarcar os acontecimentos consecutivos — o que amplia o alcance aos envolvidos na trama golpista, o que pode beneficiar Bolsonaro.

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