As diferenças entre ‘mensalão’ e orçamento secreto, os esquemas que Lula comparou no JN

Petista alegou que a indicação de verbas por parlamentares operada no governo Bolsonaro é maior do que a compra de votos que ocorreu em sua gestão em 2005

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Por Weslley Galzo
Atualização:

BRASÍLIA. Em entrevista ao Jornal Nacional, o presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebateu assim a uma pergunta sobre escândalos de corrupção no seu governo: “Você acha que o mensalão é mais grave que o orçamento secreto?” Os dois esquemas envolvem compra de voto no Congresso em troca de apoio parlamentar e cifras milionárias. No mensalão, o desvio de recursos públicos chegou a R$ 101,6 milhões em quatro anos. O orçamento secreto atingiu R$ 53,5 bilhões entre 2020 e 2022. Para o próximo ano, já estão reservados mais R$ 19,4 bilhões. Um total de R$ 72,9 bilhões.

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Quinze anos separam os dois esquemas que explicitaram a forma de relacionamento entre Executivo e Legislativo com partidos do Centrão. Enquanto no mensalão, denunciado em 2005, o dinheiro de empresas com contratos e interesses no governo era distribuído na boca do caixa a deputados e seus senadores, no orçamento secreto, revelado pelo Estadão no ano passado, os recursos, todos públicos, saem direto do cofre da União para irrigar redutos indicados por parlamentares sem que se consiga identificar o verdadeiro padrinho da indicação. O Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender os pagamentos via orçamento secreto e cobra transparência na execução do orçamento.

O MENSALÃO

Em 2005, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) conduzia seu partido e dava apoio ao governo do petista Lula. Na Casa Civil, estava José Dirceu (PT-SP), na presidência do PT, José Genoíno. Na época, convencido de que os petistas queriam esvaziar seu poder _ Jefferson tinha apadrinhados em postos chave no Executivo _, o petebista denunciou em entrevista à jornalista Renata Lo Prete que o apoio do governo era comprado com uma mesada. Virou escândalo político e Lula chegou a ser aconselhado a renunciar ao cargo.

O então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) em depoimento no Congresso sobre o mensalão em 2005. Foto: Ed Ferreira/Estadão

O caso foi apurado em várias frentes e o Ministério Público Federal apresentou denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Vinte pessoas foram presas, entre eles cinco petistas do primeiro escalão do partido, acusados de corrupção. Levantamento feito pela Polícia Federal, MPF e Tribunal de Contas da União indicou que Marcos Valério, dono de uma empresa de publicidade com contratos no governo, e operador do esquema de corrupção, movimentou pelo menos R$ 101,6 milhões.

José Dirceu teve que deixar o governo e acabou sendo cassado pelo envolvimento com o mensalão Foto: Celso Junior/Estadão

O ORÇAMENTO SECRETO

Revelado por uma série de reportagens do Estadão, o orçamento secreto foi gestado dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. Na época, entregar o dinheiro público para um grupo restrito de deputados e senadores foi a moeda de troca do presidente para evitar o impeachment. Bolsonaro tem mais de 100 pedidos de cassação de mandato na gaveta do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressista-AL), o único que pode dar encaminhamento aos processos. Na entrevista ao JN, Lula chamou o presidente de “bobo da corte” por ter dado a Lira uma atribuição que deveria ser do executivo. O presidente também já foi chamado de “tchutchuca do Centrão” por essa mesma razão.

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Juristas dizem que o orçamento secreto é inconstitucional porque, entre outras coisas, ele fere o princípio da transparência e da equidade. Os acordos para a divisão dos recursos são feitos com ministros ao pé do ouvido, por mensagens de WhatsApp ou ofícios sigilosos em que determinam até mesmo o que deve ser comprado sem seguir nenhuma política pública para isso. O controle de quem irá receber é dos presidentes da Câmara, do Senado que indicam o relator do orçamento. Assim, só recebe quem se compromete a atender o comando deles.

O esquema do orçamento secreto foi montado na gestão do presidente Jair Bolsonaro e deu aos presidentes da Câmara e do Senado poder para indicar cifra bilionárias do orçamento Foto: Wilton Junior/Estadão

Mas é corrupção? O que dizem os principais juristas e especialistas em contas públicas do País é que a prática corrompe o sistema democrático porque deputados e senadores votam projetos e se posicionam no Congresso em troca de dinheiro e não de acordo com suas consciências ou a determinação de seus partidos. Ou seja, eles vendem os seus votos.

Para além disso, o Estadão revelou inúmeros casos de suspeitas de superfaturamento e sobrepreço em licitações feitas por prefeituras que receberam dinheiro do orçamento secreto. Tratores, caminhões de lixo, escolas, creches, ônibus escolares, poços de águas foram comprados ou instalados por valores acima do mercado e em processos investigados por órgãos de controle. Há cidades com menos de dez mil habitantes, por exemplo, que receberam até três potentes caminhões de lixo sem sequer produzir resíduos para utilizá-los. No caso dos poços cavados por indicação política e ignorando critérios técnicos, órgãos de controle já identificaram ao menos 131 milhões de sobrepreço.

PETROLÃO

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Em 2014, a Polícia Federal deflagrou operação batizada de Lava Jato. A ação fora autorizada pelo então juiz de Curitiba Sérgio Moro. O que no início era uma investigação contra doleiros que lavavam dinheiro na região de Foz do Iguaçu e até em Brasília desaguou no maior esquema de corrupção envolvendo uma estatal brasileira e culminou na prisão de Lula.

A partir de delações premiadas, descobriu-se que a diretoria da Petrobras, loteada por partidos políticos, servia para desviar recursos com propinas pagas pelas maiores empreiteiras do País. Segundo análises da Polícia Federal realizadas em 2015, os desvios na estatal teriam chegado a R$ 42,8 bilhões. Já a própria estatal registrou em seus balanços um rombo de R$ 6,2 bilhões.

Chegada de malotes na sede da Polícia Federal, durante uma das fases da operação Lava Jato Foto: Werther Santana/Estadão

O esquema de corrupção na Petrobras foi admitido por Lula na entrevista ao JN. O petista reconheceu, pela primeira vez, que como houve gente confessando propina, não tinha como negar sua existência. O candidato alega, no entanto, que a Lava-Jato passou dos limites ao partidarizar a apuração, tendo sido ele mesmo preso e condenado. O processo acabou sendo anulado pelo STF por erros processuais.

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