A Academia Paulista de Letras é uma velha senhora, com 112 anos, pois fundada em 1909. Mas permanece inquieta e curiosa. Quer saber o que se passa no mundo e em todas as esferas do pensamento. Assim é que a pandemia não a paralisou. O último encontro presencial foi em 12 de março de 2020, na posse de Maria Adelaide Amaral, que sucedeu ao decano - ali permaneceu desde 1963 a 2019 -, o Príncipe dos Poetas Brasileiros, o insuperável Paulo Bomfim.
Desde então, realiza as suas sessões, religiosamente, todas as quintas-feiras. Utiliza-se das modernas tecnologias, às quais os devotos acadêmicos renderam culto e se acostumaram. Sessões bem prestigiadas, quase sempre com a presença de convidados especiais.
No dia 15 de julho último, a APL recebeu o jovem e talentoso Luis Rasquilha, um pensador influente, que falou sobre o tema que tem desenvolvido com reconhecido êxito: a ambidestria.
Definiu-a como a capacidade de uma empresa de executar simultaneamente a estratégia presente, enquanto não perde de vista a necessidade de desenvolver aquela necessária ao amanhã. É uma imposição da profunda mutação a que o mundo foi submetido, após sua imersão no que se convencionou chamar de Quarta Revolução Industrial.
Isso não é impossível, embora possa parecer. Quando se tem em vista que o futuro já não é mais o que costumava ser - algo contido num verso de Paul Valéry, que serviu para Adauto Novaes promover um curso e editar um livro - e que o inesperado é a única certeza, falar em ambidestria requer prévia reflexão.
Para Rasquilha, é necessário dominar a adaptabilidade e o alinhamento, atributos ínsitos à ambidestria. Verbete que passou a ser utilizado a partir de 2004, a partir de dois papers, um deles do MIT Sloan Management Review, sob o título Building Ambidexterity into an organization. Abordou o desafio de continuar o desempenho atual, sem perder o foco do porvir. Durante a instigante palestra, mencionou-se exemplos de empresas que não conseguiram enxergar o que aconteceria e soçobraram.
O empreendedor precisa estar atento às novas tendências e tentar detectar o que fará se o seu ramo de negócio vier a se tornar desnecessário.
O tema é de uma atualidade atroz. Quantas pequenas empresas desapareceram durante a pandemia. Porém, quantas startups, algumas se convertendo em unicórnios, desabrocharam em plena crise?
Se o Brasil tivesse uma educação de qualidade, teria investido pesadamente em informática, eletrônica, programação, cibernética, robótica, nanotecnologia, internet das coisas, bioeconomia e outros temas que estão na pauta e que já alteraram a estrutura da vida em sociedade.
A descoberta dessas áreas do conhecimento, cuja aplicação gera soluções criativas e rentáveis, se deu por autodidatismo, iniciativa pessoal dos talentosos moços que hoje ocupam espaço no cenário nacional por individual protagonismo.
O tema é atraente, pois Rasquilha fala em ambidestria organizacional, com separação estrutural de iniciativas e atividades - a ambidestria estrutural - e em ambidestria contextual, que representa um processo complementar. Há uma espécie de confronto entre a estrutural e a contextual. Como se alcança a ambidestria? Na estrutural, as atividades de alinhamento e adaptabilidade são realizadas em unidades ou equipes compartimentadas. Na contextual, funcionários dividem seu tempo entre alinhamento e capacidade de adaptação. As decisões sobre alinhamento e adaptabilidade, na ambidestria estrutural, são tomadas no topo da organização e na contextual, na trincheira. Na linha de frente da atividade. Na primeira há mais rigidez e mais especialistas, na segunda, mais flexibilidade e mais generalidade.
Há todo um processo para que uma equipe se apodere do conceito de ambidestria, que Luis Rasquilha propicia com seus cursos e eventos. Ele já atuou em mais de cinquenta grandes conglomerados internacionais, levando essa ideia que, na verdade, é de sobrevivência.
A história das grandes empresas é exemplificativa das dificuldades encontradas para que o negócio e a marca permaneçam. É muito rápida a ascensão e o declínio das iniciativas privadas, conforme se verifica da análise do ciclo de vida registrado nas maiores empresas globais, em apenas uma década.
Mas a ideia de ambidestria corporativa é muito útil para repensar também a gestão pública. Aqui, o ambiente necrosado praticamente impede a implementação de novidades. O novo traumatiza as mentes tranquilas de quem está no comando e tem o erário a garantir sua subsistência. Uma ideia que motiva a iniciativa privada é a longevidade. Esse o ideal de quem começa a produzir algo e quer que isso se torne permanente, necessário e imprescindível à sociedade.
O governo não tem essa preocupação. Ele está garantido. Tem um prazo certo de mando. Prazo que em regra se prolonga, quando a política se torna uma profissão. Ou quando se inventa algo como a reeleição, verdadeira matriz da pestilência.
Seria interessante que os políticos profissionais se fizessem a si mesmos a pergunta: onde eu estarei quando o povo for esclarecido? Qual o meu destino se a cidadania tiver capacidade crítica e reclamar observância da ordem democrática, da qual eu deveria ser fiel cumpridor?
Aí, talvez, a ideia de ambidestria poderia auxiliar a política a uma reinvenção, para que se torne aquilo que promete ser: instrumento a serviço da sociedade, e não dos próprios políticos.
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022
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