Há tempos se fazia necessária uma inovação legislativa que viabilizasse a consolidação do mercado de startups no Brasil. No final de 2019 e no início do ano de 2020, começou a ser analisado pelo Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar nº 146/19, que trata de medidas de estímulo às startups, o conhecido "Marco Legal das Startups".
Uma das grandes lacunas do mercado brasileiro para as startups não é a falta de demanda, e sim, a ausência de legislação que trate estas figuras como o que elas realmente são: empresas que tem como principal enfoque a inovação tecnológica, que necessitam de um ambiente seguro e, ao mesmo tempo, ágil e desburocratizado para operarem.
Assim como tantos outros temas, o Marco Legal das Startups teve seu andamento travado, por conta da pandemia do COVID-19, estando desde o início da pandemia aguardando análise da Comissão Especial. Tendo a pandemia durado mais do que todos estavam esperando, restou comprovado, de uma vez por todas, que é necessário investir em tecnologia, para se manterem conectados, em um ambiente seguro e protegido, quem presta/vende e quem consome.
Diante deste cenário e da necessidade que se tornou ainda mais emergencial em se abrir espaço para atuação por parte das startups de tecnologia, dois importantes normativos passarão a ser atualizados: o Marco Legal das Startups e a Lei 11.196/05 ("Lei do Bem").
O novo texto do Marco Legal das Startups foi enviado ao Congresso Nacional no dia 19/10, e as expectativas estão altíssimas. Segundo estimativas do Governo Federal, espera-se que o número de startups aumente em até dez vezes nos próximos anos.
Entre os pontos mais interessantes, está, por exemplo, a possibilidade de aporte de capital por meios contratuais, que permitem o ingresso de capital, porém, sem tornar o investidor ainda acionista, isentando-o dos riscos e contingências normais de uma companhia. Entre tais instrumentos estão, por exemplo, contratos de opções de compra de participação/vesting agreements e debêntures conversíveis.
Sobre este primeiro ponto, entendemos que seria interessante criar uma regulação específica para permitir que o investidor, neste período ainda de transição em que não é acionista, tenha, em contrapartida alguns privilégios de acionistas e/ou de condução dos negócios sociais, criando um atrativo ainda maior para o investidor.
Outro ponto que merece bastante destaque é a possibilidade de alteração na Lei das Sociedades Anônimas para viabilizar às startups o acesso ao mercado de capitais. Neste novo cenário, seria interessante que a Comissão de Valores Mobiliários ("CVM") flexibilizasse as regras relativas a, por exemplo:
(a) Obrigatoriedade de Conselho de Administração ("CA") e quantidade de diretores necessários, visto que atualmente a legislação exige que companhias abertas possuam um CA e ao menos dois diretores. Estas exigências atuais que criam, além de despesas, uma burocracia adicional às companhias que querem caminhar para a abertura de capital, porém, que ainda não contam com fôlego financeiro para suportar uma estrutura administrativa complexa;
(b) Necessidade de intermediação de instituições financeiras em distribuições públicas de valores mobiliários, já que o acesso ao funding é requisito essencial para o crescimento das startups, porém, em contrapartida, a exigência de estrutura robusta para as operações de financiamento onera o negócio excessivamente; e
(c) Necessidade de publicação de atos societários de forma bem burocrática e cara, que atualmente é uma realidade no Brasil. Sendo assim, a flexibilização da forma de publicação em meios mais econômicos, e, até mesmo, a dispensa de algumas publicações, é algo extremamente atrativo para estas empresas.
Sem a flexibilização destas regras, é muito improvável que startups consigam atingir um de seus anseios maiores, que consiste na abertura de capital. Por isso, se a intenção do Governo Federal é realmente decuplicar o número de startups no Brasil, é necessário fazer algumas concessões.
Ainda falando sobre concessões, é necessário pontuar que um dos grandes impeditivos de aumento do número destas empresas no Brasil é a ausência de incentivos fiscais. Neste sentido, apesar de tramitar no Congresso a reforma tributária, ainda assim, seria benéfica a inclusão de regras especiais, de natureza fiscal, com intuito de incentivar os 6 primeiros anos de vida das startups, seja por meio de isenções e/ou suspensões tributárias, sujeitas, a por exemplo, condicionantes ou mesmo contrapartidas sociais.
Por este motivo, é absolutamente imprescindível a atualização da Lei do Bem, normativo que cria a concessão de incentivos fiscais para pessoas jurídicas que realizarem pesquisa de desenvolvimento e inovação tecnológica. Entre os principais benefícios, estão a redução de 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados ("IPI"), e a redução a zero da alíquota do imposto de renda retido na fonte das remessas efetuadas para o exterior destinadas ao registro e manutenção de marcas e patentes.
Apesar de ainda não sabermos como será o texto final do normativo, o cenário caótico trazido pela pandemia trouxe algumas certezas: (i) os serviços públicos devem estar em seu pleno funcionamento, porém, com seus custos otimizados; (ii) a atuação das startups neste setor, certamente, trará reduções significativas, que, via de regra, deverão resultar em benefícios aos contribuintes; (iii) o mercado será fomentado, novos negócios surgirão e a economia, ainda que a passos não tão largos, voltará a caminhar.
*Cássia Monteiro Cascione, sócia das áreas de Direito Financeiro, Startups e Societária do L.O. Baptista Advogados
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.