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Opinião | A busca quimérica de uma República impessoal

Cabe, pois, a nós, enquanto cidadãos destinatários das políticas públicas, conclamar nossos gestores a implantação de um quadro funcional efetivamente competente do ponto de vista técnico, além de imparcial no exercício de suas funções

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convidado
Por Leonardo Bellini de Castro

É cediço, e a própria Constituição Federal Brasileira assim o determina, que a estruturação adequada de um modelo estatal republicano se assenta em dogmas vetoriais que lhe dão a verdadeira substância.

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Tais dogmas, que essencialmente diferenciam um modelo estatal republicano e monárquico, se fundam na eliminação de determinados privilégios para a composição da máquina estatal, abandonando-se práticas até então arraigadas, tais como aquelas vinculadas à hereditariedade e a primazia a vínculos familiares e políticos para a distribuição de posições em cargos públicos.

Bem por isso, o discurso político republicano ganhou adeptos mundo afora, na medida em que congregava um ideário de maior participação política e também de controle do exercício do poder, abandonando-se o viés absolutista então vigente para se proclamar a submissão a um conjunto normativo estampado em Constituições Escritas, disposições essa que deveriam reger os pormenores da vida política e do exercício do poder pelos partícipes dessa engrenagem.

Assim é que, preceitos como o da tripartição das funções estatais, com o sistema de freios e contrapesos correlato, e a adoção mesma de disposições principiológicas que proclamavam a submissão à legalidade e impessoalidade para o exercício do poder político conformaram a pedra de toque dessas novas orientações constitucionais.

O Brasil, desde a Proclamação da República e em suas sucessivas Cartas Constitucionais, sempre assinalou normativamente a harmonia e independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. E aqui vale abrir um parêntesis para pontuar que a harmonia e independência entre os poderes evidentemente não se traduz em submissão política ou interferência indevida em funções atípicas entre os poderes, mas fiel e impessoal observância ao conjunto normativo estabelecido de forma minuciosa na Constituição Federal.

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Atualmente, o art.1º da Constituição Federal estabelece que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito e tem como fundamento o pluralismo político, ao passo que o art. 2º da mesma Carta Magna dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, ao passos que o art.37 da Carta Magna dispõe que a administração pública deverá prestar obediência aos princípios da Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O referido mosaico de referências normativas determina, portanto, que a composição dos quadros da Administração Pública há de se implementar em uma ambiência infensa a interferências indevidas derivadas do compadrio político, clientelismo e/ou troca de favores.

É dizer, em uma perspectiva de fiel observância ao Texto Magno, a composição de quadros públicos, em especial para o provimento de cargos vitalícios, há de observar o procedimento assegurado na Constituição Federal e ter por norte sempre e absolutamente a busca pelos nomes mais qualificados e isentos, tanto do ponto de vista técnico, como político.

Portanto, nomeações politicamente maculadas por interesses escusos ou por clientelismo político necessariamente configuram atos que transgridem as vigas mestras constitucionais, ainda que o favorecido em tais contextos seja subjetivamente competente e independente para o exercício das funções atreladas ao cargo.

E a situação se agrava sobremaneira, do ponto de vista institucional, quando a vulneração a tal base principiológica se dá com a nomeação para posições em cargos de controle, na medida em que aí as próprias premissas das funções inerentes ao cargo são colocadas sob suspeita no que concerne ao desempenho autônomo e independente para tais funções.

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No mesmo contexto e em se considerando que o pluralismo político também se constitui como um dos fundamentos da República, também se nos afiguram inequivocamente indevidos movimentos políticos que buscam uma formatação ideológica uniforme dos quadros da Administração, promovendo-se perseguições ou favorecimentos daquelas alinhados a uma determinada agenda de interesse do governo de ocasião.

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Nesse prisma é que cabe rememorar a distinção entre políticas de governo e políticas de Estado. Ora, as políticas de governo são justamente aquelas formuladas pelo grupo político que exerce o poder em um determinado momento, refletindo a agenda, os planos e os programas do governo eleito, sendo geralmente influenciadas pela ideologia do partido ou da coalizão governante. Ditas políticas têm necessariamente natureza transitória e caráter programático.

As políticas de estado, por sua vez, possuem um caráter mais duradouro e estável, na medida em que representam consensos nacionais e transcendem governos específicos. Elas são definidas com base em princípios fundamentais e interesses de longo prazo da sociedade.

A distinção entre políticas de estado e governo, portanto, é essencial para a estabilidade institucional e para a previsibilidade das ações governamentais, sendo a inobservância de tais vetores talvez a causa de nossas constantes agruras e crônico desatino político.

Cabe, pois, a nós, enquanto cidadãos destinatários das políticas públicas, conclamar nossos gestores a implantação de um quadro funcional efetivamente competente do ponto de vista técnico, além de imparcial no exercício de suas funções. Imperioso, ademais, que se respeitem os limites essenciais do que se configuram as políticas de governo e estado, evitando-se as miscelânias que abrem as portas para o autoritarismo.

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Leonardo Bellini de Castro
Promotor de Justiça. Mestre Em Direito – USP. Foto: Inac/Divulgação
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