
Nesses dias em que a greve dos caminhoneiros toma conta de todo o cenário nacional, paralisando toda a cadeia produtiva e afetando drasticamente a vida do brasileiro, muito se discute acerca das alternativas possíveis para a redução do valor do frete, circunstância esta que foi um dos objetos da greve juntamente com o alto custo dos insumos arcados pelos caminhoneiros (diesel e pneus).
Desta forma, torna-se interessante uma breve discussão acerca do impacto que a não cobrança de tarifa de pedágio em relação ao eixo suspenso dos caminhões refletiria no custo para o motorista e, consequentemente, no valor de todas as mercadorias.
Inicialmente é necessário dizer que a Lei 10233/01 definiu as atribuições da ANTT, cabendo ao DNIT a delegação das privatizações aos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Em São Paulo, por meio do DER, o governo promoveu procedimento licitatório sob a modalidade de concorrência, visando propiciar a outorga de concessão de serviços públicos com a privatização das rodovias anteriormente administradas pelo DER ou pela DERSA.
Quanto à licitação, destaca-se que o edital representa um importante instrumento, porquanto tem o condão de ditar os termos do certame. Entretanto, pontua-se que seu texto não é exauriente.
E, se o edital se torna lei entre as partes, forçoso convir que os licitantes tem a obrigação de interpretá-lo. Antes de levarem a efeito as propostas, devem pesar suas estimativas e previsões sobre o que está estabelecido no edital, avaliando possíveis situações não previstas no instrumento, mas previsíveis ao homem comum, afastando qualquer vício que porventura ocorra.
Registre-se que de há muito, no intuito de reduzir custos no transporte rodoviário de cargas, foram introduzidas pela indústria automobilística novas tecnologias que visam proporcionar economia de pneu e combustível, através do desenvolvimento de motores mais econômicos e possibilitando o levantamento de algum dos eixos do caminhão com pouca ou nenhuma carga.
Assim, é contrassenso pretenderem as concessionárias cobrar, sob o fundamento de perdas não programadas, tarifa pelos eixos suspensos não utilizados.
Nem se argumente que tal tecnologia pode ser utilizada como um tipo de fraude, pois isto somente é possível quando o veículo estiver vazio ou com pouca carga, pelo simples fato de que se o motorista realizar essa manobra com o veículo pesado poderá danificá-lo, entortando o chassis ou quebrando seus eixos. Portanto, ninguém em sã consciência correrá esse risco para ter desconto na tarifa.
É sabido que as concessionárias tem conhecimento de que a classificação dos veículos seria de acordo com o número de eixos efetivamente utilizados. Assim, não podem, sob o fundamento de quebra de contrato licitatório, pleitear a alteração de algo perfeitamente previsível.
Tanto é assim que foram editadas pelo poder público resoluções e decretos confirmatórios desse entendimento. Ainda que se alegue que não há previsão explícita da isenção de cobrança do eixo suspenso no edital, a edição de 1976 do Manual do Arrecadador do Pedágio do DNER - Ministério dos Transportes já consagrou que "o eixo adaptado quando suspenso, não é cobrado".
Ademais, o direito não socorre a quem dorme, razão pela qual as concessionárias deveriam ter levantado essa questão e, não o fazendo, aceitaram as condições do edital.
Por exemplo, imagine se as licitantes perdedoras previssem a não cobrança do eixo suspenso, motivo pelo qual acrescentaram valores em seu custo com propostas maiores que as das vencedoras, sendo desclassificadas. Evidentemente, participaram do certame em desigualdade.
Tal circunstância violaria a Lei de Licitações, que veda a admissão de cláusulas ou condições capazes de frustrar ou restringir o caráter competitivo do procedimento licitatório. Portanto, não seria crível aceitar o argumento das vencedoras de ocorrência de quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Nesse passo, impossível permitir que se cobre a tarifa do eixo suspenso, visto que privilegiaria as vencedoras, o que contraria o norte das licitações.
Frise-se que esse raciocínio só pode ser utilizado para aqueles instrumentos que por ocasião da sua edição não previram explicitamente a isenção da cobrança da tarifa do eixo suspenso, pois no caso dos editais que estabeleciam explicitamente tal isenção, nada há que se cogitar na quebra do princípio da equação econômico-financeira, mesmo porque a revisão contratual pressupõe que a causa da quebra do equilíbrio econômico-financeiro seja superveniente à celebração da concessão e que também seja imprevisível, o que não ocorre no caso, uma vez que a tecnologia que possibilita a suspensão de eixo de veículo de transporte de carga surgiu antes do início das concessões das rodovias.
Ressalte-se que a Lei estadual n. 2.481/1953, foi lastreada na justa remuneração, ao dispor que o valor do pedágio deveria corresponder à efetiva utilização da rodovia, bem como ao desgaste que o veículo causaria na via, pois previa a redução de 50% no preço do pedágio quando o veículo trafegasse vazio. Por fim, destaca-se que as concessionárias são obrigadas a criar postos fixos de pesagem de veículos de carga ao longo das rodovias e instalar balanças portáteis, a fim de fiscalizar o peso dos caminhões, quando verificarão se o limite máximo de peso por eixo foi desrespeitado, caso em que será lavrada a autuação.
Assim, é de se ver que a aplicação de uma medida simples e há tanto tempo prevista na legislação poderia contribuir para a redução dos custos do frete e, via de consequência, atender, de uma certa forma, aos reclamos dos caminhoneiros, evitando-se situações com as que presenciamos atualmente.
*José Carlos G. Xavier de Aquino, Desembargador Decano do Tribunal de Justiça de São Paulo