A diminuição da renda das famílias e o consequente aumento das desigualdades sociais, desencadeados pela pandemia do Coronavírus, agravam um problema histórico no Brasil: a chaga social do trabalho infantil. A data de 12 de junho marca o Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta para o risco do crescimento da exploração do trabalho infantil diante dos impactos da pandemia, especialmente pela grave vulnerabilidade socioeconômica resultante da crise provocada pelo novo coronavírus.
No Brasil, a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2016, revelou que pelo menos 2,4 milhões de meninos e meninas, entre 5 e 17 anos, são vítimas do trabalho precoce, nos mais diversificados segmentos da economia. Especialistas alertam para o crescimento desses números em 2020, porquanto ocupamos o lastimável segundo lugar em número de contaminações pela covid-19, e somado à grave recessão econômica que assola nosso país, famílias em situação de necessidade tendem a buscar na mão de obra das crianças uma alternativa para sua renda.
O trabalho infantil, como é de intuitiva percepção, atrai um longo fio de consequências deletérias. De um lado, há naturalmente o sofrimento pessoal que resulta da imposição de tarefas para corpos e mentes ainda não preparados para isso. De outro, a circunstância de que as crianças que trabalham não se formam para o mercado de trabalho, eis que o abandono da escola constitui um dos primeiros e evidentes corolários do labor precoce. Desse modo, crianças utilizadas no trabalho não estudam ou estudam sem aproveitamento escolar adequado e, assim, gerarão outras crianças pobres que também deixarão de ir à escola para trabalhar. Repete-se, então, o eterno, amargo e cruel círculo vicioso da miséria.
Mas de que forma poderemos vencer mais esse desafio, quando o país já se encontra tão combalido pela pandemia? Primeiramente, é imperativo promover uma revolução cultural, uma mudança radical de práticas, de conceitos e a superação de preconceitos. Portanto, a busca pela erradicação trabalho infantil é, sobretudo, uma luta contra a desigualdade, contra o preconceito de classe e racial.
Ademais, a eliminação do trabalho infantil deve ter por foco central e fundamental a educação, chave de todas as portas. Para isso, é salutar a união do Estado e da sociedade, assim como a concretização de medidas preventivas e corretivas. Com maior razão agora, quando em meio à pandemia e ao distanciamento social, crianças e adolescentes pobres continuam sendo vítimas da invisibilidade.
Na cidade de São Paulo, a união de diversos órgãos e entidades públicas garantiu avanços no combate ao trabalho infantil. Em outubro passado, a Prefeitura de São Paulo, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e o Ministério Público do Trabalho assinaram um Termo de Cooperação para fomentar as ações em favor do jovem aprendiz. Na sequência, a prefeitura publicou decreto criando o Programa Municipal de Aprendizagem Pró-Aprendiz. As duas ações resultaram no primeiro mutirão que mobilizou 13 empresas privadas e ofertou 325 vagas aos jovens. É o começo de um longo trabalho que, a despeito de ter sido interrompido pela covid-19, será em breve retomado.
Em Brasília, nós da sociedade civil organizamos a arrecadação de livros para doação a ONGs e instituições que recebem jovens em formação. Levando um pouco de alegria e infância para essas crianças, buscamos também conscientizar a população do papel indispensável da educação para romper com o ciclo da miséria e da desigualdade que devasta o nosso país.
Importa rememorar o emocionante e marcante discurso do à época ministro e presidente do Tribunal Superior do Trabalho, João Oreste Dalazen, e criador da Comissão Nacional de Erradicação ao Trabalho Infantil. Em 2012, o Ministro relatou, em meio a lágrimas, as cicatrizes deixadas pelo trabalho precoce, que nos faz refletir acerca dos nefastos e irreversíveis danos causados naqueles que tiveram a infância tolhida. Exalta que os estudos lhe garantiram uma vida digna e, muito embora tenha galgado o mais alto posto da sua carreira, não se orgulha de ter sido menino trabalhador.
Seguindo o legado do meu pai, em prol de tão nobre causa, conclamo a todos, nesse Dia Mundial do Combate ao Trabalho Infantil, ações positivas àqueles que mais precisam de nossa proteção.Mais do que nunca, urge que este seja um marco definitivo de uma luta sem trégua para a completa erradicação da exploração e do trabalho infantil no País.
Lembremos da lição do pensamento do escritor americano James Baldwin, no túmulo de Martin L. King: "Nem tudo o que se enfrenta pode ser modificado. Mas nada pode ser modificado até que se enfrente".
*Tayane Cachoeira Dalazen, advogada e sócia do escritório Dalazen e Pessoa
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