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Opinião | A infância à deriva em mares digitais: é preciso proteger o futuro

Educar é, acima de tudo, um ato de responsabilidade compartilhada. A decisão do Congresso Nacional é um passo importante para promover uma educação que, além de digital, seja mais humana e focada no que realmente importa: o desenvolvimento pleno de nossas crianças e jovens

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convidado
Por Vicente Braga

Em meio às turbulentas discussões no Congresso sobre orçamento e emendas, foi aprovada pelo Senado Federal neste fim de 2024 a proposta que proíbe o uso de celulares nas escolas. Vivemos tão acelerados, em uma era com tanto acontecendo ao mesmo tempo, que é fundamental paramos para refletir sobre a importância dessa proposta para a infância do nosso presente e, consequentemente, para o futuro do país.

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Em um país democrático, em que a liberdade é um direito indiscutível, causa impacto uma intervenção estatal que “proíbe” algo tão pessoal. Mas, sim, chegamos ao ponto em que medidas enérgicas são necessárias. A tecnologia é uma ferramenta poderosa e imprescindível, mas seu uso indiscriminado tem causado impactos profundos, principalmente em crianças e adolescentes. O excesso de distrações digitais na escolar compromete a concentração, a convivência social e a qualidade da aprendizagem.

É importante destacar que a proposta não proíbe o uso pedagógico das tecnologias, mas traz limites claros e necessários para o ambiente escolar. É um equilíbrio que reconhece a relevância dos avanços tecnológicos, sem ignorar os prejuízos do uso desmedido. Educar é, acima de tudo, um ato de responsabilidade compartilhada. A decisão do Congresso Nacional é um passo importante para promover uma educação que, além de digital, seja mais humana e focada no que realmente importa: o desenvolvimento pleno de nossas crianças e jovens.

Acabo de completar 40 anos. Venho de uma geração que ainda ralou muito os joelhos na rua correndo atrás de bola e andando de bicicleta. Nos adaptamos rapidamente à tecnologia que foi chegando às nossas mãos e, de maneira muito natural, estamos criando nossos filhos imersos nos mais variados formatos de telas interativas. A ilusão de que estão protegidos porque estão sentados no sofá de casa nos acomoda, mas o mundo virtual tem causado danos irreversíveis.

No livro A geração ansiosa, o psicólogo social Jonathan Haidt chama atenção para uma epidemia de transtornos mentais. É impactante o aumento acentuado nos índices de ansiedade, depressão, automutilação desde o começo da década de 2010. “Ao longo de muitas décadas, encontramos maneiras de proteger as crianças, enquanto aos adultos era permitido fazer o que bem entendessem. Então criamos um mundo virtual que satisfizesse os caprichos momentâneos dos adultos e deixamos as crianças praticamente indefesas”, comenta o autor do incômodo e necessário livro.

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As plataformas digitais expandem horizontes, conectam pessoas e democratizam o consumo da informação e da cultura. Entretanto, essa mesma abertura escancara as portas para uma série de ameaças, sobretudo aos menores, que ainda não dispõem das ferramentas emocionais para navegar com segurança.

A medida não é novidade. Países como França, Espanha, Dinamarca, Holanda e outros já anunciaram projetos semelhantes. O Relatório Global de Monitoramento da Educação, organizado pela Unesco, mostra que pelo menos um em cada quatro países do mundo já implementou leis que proíbem ou restrigem o uso de smartphones nas escolas.

Como pai, sei que a formação de uma geração mais conectada e consciente depende de medidas como essa. Como advogado, acredito que o diálogo entre as famílias, as escolas e o poder público será essencial para garantir que essa mudança traga os resultados esperados. É possível regular sem sufocar a criatividade; é possível proteger sem interditar o uso. A infância é um bem precioso e insubstituível. Permitir que ela seja comprometida por omissões é falhar com o que temos de mais relevante: o futuro.

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Vicente Braga
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape), advogado, procurador do Estado do Ceará, doutor em Direito Processual Civil pela USP e pós-doutor em direito público pela UERJ. Foto: Arquivo pessoal
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