Mais de 90% dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) e 30% dos casos de demência podem ser prevenidos com o controle dos fatores de risco cardiovasculares na Atenção Primária à Saúde (APS). Devido ao envelhecimento contínuo da população, ao crescimento populacional e à tendência de aumento da prevalência de muitos fatores de risco significativos para AVC e demência, é provável que os casos continuem aumentando, a menos que estratégias de prevenção primária sejam atualizadas e implementadas. A APS desempenha um papel muito importante e pode ser a protagonista nessa história, identificando riscos, como diabetes, hipertensão arterial (pressão alta) e colesterol elevado, além de maus hábitos de vida, como tabagismo e sedentarismo.
Com objetivo de reduzir o impacto mundial do AVC e demência, as estratégias devem incluir a identificação precoce de pessoas em risco, a capacitação dos profissionais de saúde, revisão dos fluxos de atendimento, acessibilidade aos serviços de saúde e a alocação adequada de recursos. Os profissionais da APS estão bem preparados para essa abordagem inicial, no entanto, precisamos avançar na implementação de protocolos de atendimento.
A prevenção de AVC e demência na APS, como política de saúde pública, requer um sistema de procedimentos hierarquizados e articulados, como protocolos, para promover resultados na redução do número de casos dessas doenças. Inicialmente, é fundamental padronizar os fluxos de atendimento, fortalecer a ação das equipes multidisciplinares, disponibilizar equipamentos médicos adequados, bem como aprimorar a infraestrutura física e tecnológica das unidades de saúde. A informatização do sistema de atendimento, baseada na jornada do paciente dentro dos serviços de saúde, permite a atuação mais efetiva das estratégias de prevenção. Todos devem não só saber o que e quando fazer e ter as ferramentas para isso, como também fazer da mesma forma para que as práticas sejam replicadas e avaliadas.
Como até 80% de todos os casos de AVC e infarto do coração ocorrem em pessoas com baixo a médio risco, as ações também devem ser direcionadas para estes grupos, promovendo intervenções mais precoces para todos. É preciso sensibilizar o grupo de pessoas sem doença estabelecida, mas com predisposição ou maus hábitos, a procurar auxílio para reduzir os riscos cardio e cerebrovasculares.
Ao mesmo tempo, os caminhos seguintes devem ser claros e acessíveis para uma assistência integral, ou seja, após a identificação, é preciso garantir o tratamento no tempo adequado. O AVC tem tratamento, que deve ser instituído tão logo os sintomas forem reconhecidos, porque tempo é o fator principal no resultado do cuidado do AVC agudo. Em até 4,5 horas após o início dos sintomas, um medicamento que dissolve o coágulo nas artérias do cérebro pode ser administrado nos pacientes com AVC isquêmico e diminuir consideravelmente as chances de sequelas e de mortalidade. Da mesma maneira, a trombectomia mecânica (cateterismo cerebral) pode desobstruir as artérias do cérebro nos casos de AVC isquêmico grave, em até 8 horas após o início dos sintomas.
Nesse sentido, o conhecimento sobre a prevenção e os sinais de alerta do AVC é tão importante quanto a disponibilidade de tratamento. O país necessita de campanhas de esclarecimento sobre o AVC na TV, no rádio, na internet ou outros meios que possam difundir essa mensagem para todas as pessoas. Nesse contexto, o profissional da APS deve estar preparado para integrar essa rede de prevenção e ser capaz de educar e motivar os pacientes e seus familiares. Já o governo e instituições de saúde devem reavaliar os protocolos de assistência para otimizar o cuidado integral do AVC.
A prevenção é o melhor remédio para todas as doenças, mas no caso do AVC é ainda mais. Por isso a intervenção precoce na APS é tão importante. Esta não é uma questão muito complexa. Basta organização e método.
*Sheila Cristina Ouriques Martins, presidente da Rede Brasil AVC e a primeira mulher e primeira representante da América Latina a presidir a World Stroke Organization (Organização Mundial do AVC)