
A crise econômica decorrente do isolamento social, o qual vem sendo fortemente recomendado pelas autoridades governamentais, juntamente com o fechamento do comércio e de empresas, trouxe à tona acalorados debates sobre repactuações, renegociações e revisões obrigacionais e contratuais, inclusive por meio judicial, com fundamento na ocorrência de força maior, de onerosidade excessiva em face de fatos imprevisíveis e da materialização de situação excepcional.
Os meios empresariais e jurídicos também têm exercitado a construção de cenários prevendo disputas extrajudiciais e judiciais nas searas tributária, trabalhista, o aforamento de inúmeros processos de recuperação judicial por empresas, com a ocorrência fatal de falências e insolvências civis.
É notório, outrossim, que não existe no Brasil um projeto de nação, mas sim um ajuntamento de interesses individuais e de grupos, muitos deles oligárquicos, cada qual buscando fazer prevalecer a sua agenda, inclusive na arena política, e por vezes mediante imposição econômica, imperando no país a cultura da litigiosidade.
Por tais razões, é provável que uma das consequências da instalada crise econômica será o incremento substancial na quantidade de ações judiciais ajuizadas e em tramitação de forma geral, notadamente com relação às matérias que têm gerado maior polêmica, a saber, as áreas cível, tributária, trabalhista e de insolvência. Inclusive, vale dizer, os veículos de mídia já dão notícias diárias neste sentido
Desta forma, a torrente de processos judiciais no horizonte, os quais terão por objeto questões empresariais e econômicas, invariavelmente resultarão em constrições patrimoniais, na constituição de ônus e gravames e em perdas financeiras em desfavor não só de empresas, mas também, eventualmente, de empresários, empreendedores e investidores (sócios e acionistas das empresas) e de administradores.
As empresas estão expostas a inúmeros riscos, os quais podem ensejar a perda de patrimônio de seus sócios ou acionistas, bem como de seus administradores, tais como, adentrar estado falimentar com consequentes débitos de massa falida, débitos em razão de matérias cíveis, débitos fiscais e previdenciários, débitos de natureza concorrencial, débitos advindos de matérias financeira e securitária, prejuízos ambientais, débitos trabalhistas e ressarcimento a consumidores, dentre outros.
Demais disso, decisões equivocadas ou a ausência de medidas de resguardo com relação a deliberações societárias e de gestão podem ter como consequência a desconsideração da personalidade jurídica, se esta for um obstáculo a eventual ressarcimento, ou se houver desvio de finalidade e confusão patrimonial, e, dessa feita, a satisfação de passivos da sociedade empresária pode ocorrer sobre os patrimônios pessoais de sócios, acionistas e administradores das empresas em questão.
Neste cenário, o planejamento patrimonial se apresenta como uma alternativa urgente e fundamental às pessoas e às empresas que tenham reservas financeiras e patrimônio, visando à proteção e à preservação de tais ativos diante dos iminentes conflitos judiciais e extrajudiciais.
O planejamento patrimonial, também conhecido coloquialmente (e equivocadamente) como "blindagem patrimonial", consiste na criação e implementação de atos jurídicos que objetivam salvaguardar, ou imunizar, o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica contra a satisfação compulsória de um passivo, gerado em razão de responsabilização civil, trabalhista, tributária, administrativa e/ou criminal - cada área com as suas respectivas regras e jurisprudência - em face de atos de gestão empresarial ou da realização de negócios.
Com efeito, a lei faculta diversos mecanismos de proteção patrimonial, por meio de planejamento, bastando que tais instrumentos sejam utilizados de maneira adequada, para que operações lícitas e exitosas possam ser estruturadas.
Com o devido planejamento, estudo e análise do caso concreto e da situação patrimonial em questão, algumas ferramentas podem ser empregadas em favor de administradores de sociedades empresárias, bem assim sócios ou acionistas, e ainda, das próprias empresas, visando proteção e preservação de ativos, bem assim minimização e mitigação de riscos, a saber:
(i) constituição de holding patrimonial e/ou de participações, mediante o emprego de pessoa jurídica no Brasil e no exterior - em jurisdições cuja legislação societária e tributária privilegiem investidores e empreendedores, realizando-se a integralização do capital social com os bens pessoais daquelas pessoas físicas e jurídicas que irão deter as participações societárias;
(ii) constituição de fundos de investimento exclusivos;
(iii) doação e adiantamento da legítima em favor de herdeiros de sócios, acionistas e administradores;
(iv) constituição de usufruto patrimonial e/ou político sobre bens móveis ou imóveis de sócios, acionistas e administradores;
(v) instituição do bem de família;
(vi) alteração de regimes de bens de casal, assegurando-se o patrimônio do cônjuge de sócio, acionista ou administrador de sociedade, limitando-se o risco relativo à satisfação de débitos oriundos de uma empresa em face de atos de gestão empresarial e realização de negócios ao patrimônio do sócio, acionista ou administrador;
(vii) celebração de pacto antenupcial com cláusulas de incomunicabilidade e inalienabilidade de bens;
(viii) lavratura de testamento;
(ix) constituição de trust, instituto jurídico do sistema anglo-saxão, o qual consiste em um ato jurídico por meio do qual destaca-se do patrimônio de uma pessoa física certos bens e direitos, transmitindo-se a propriedade formal a outra pessoa jurídica, a qual se obrigará a administrá-lo em favor de uma terceira pessoa beneficiária, que terá a fruição ou direitos econômicos sobre o patrimônio do trust; e
(x) constituição de fundação, no intuito de proteção do patrimônio em si, sem benefício de qualquer pessoa física, por meio de afetação de patrimônio, ato que se dá por meio de escritura pública, e objetiva um fim não lucrativo em prol da sociedade, com fiscalização pelo Estado.
Importante mencionar que o planejamento patrimonial exige visão extremamente analítica, compreensão dos fatos e das relações humanas e jurídicas envolvidas e ortodoxia, tendo em vista que há uma tendência das autoridades de, desde logo, rechaçarem as operações que tenham por objetivo imunizar patrimônios, sem qualquer exame mais aprofundado, um problema de cunho tanto técnico, como cultural, que atinge representantes do poder público, em particular do Fisco, dos órgãos de controle e do Poder Judiciário.
Em suma, pretendeu-se discorrer brevemente acerca de alguns mecanismos lícitos disponíveis para fins de execução de planejamento patrimonial, de forma a proteger-se o patrimônio de sócios, acionistas e administradores de sociedades empresárias, atos que são fortemente recomendáveis em nossos dias de crise sanitária e econômica, mormente diante da eminente judicialização de questões empresariais e econômicas que se avizinha, bem assim ante a complexidade cada vez maior dos negócios das empresas e dos seus riscos inexoráveis, por sua vez, cada vez mais difíceis de serem todos previstos e monitorados adequadamente.
*Marcos Roberto de Moraes Manoel, advogado especialista em Direito Empresarial, LLM - Direito Societário pelo Insper, especialista em Contratos pela Harvard Law School, mestrando em Direito dos Negócios pela FGV - SP. Sócio-coordenador do Núcleo de Direito Societário de Nelson Wilians & Advogados Associados