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Opinião | A sagração do orçamento impositivo

Preocupa, sobremaneira, um orçamento secreto que agrida a necessária e essencial transparência no uso de gastos públicos

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:

Como salientou o Estadão, em editorial, no dia 4.2.24, “que a preocupação maior dos deputados e senadores não é outra senão a apropriação de um volume cada vez maior de recursos por meio de emendas ao Orçamento da União indicadas, distribuídas e executadas de forma opaca, em respeito a sabe-se lá quais critérios”

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Costuma-se se dizer que orçamento é o processo e o conjunto integrado de documentos pelos quais se elabora, se expressa, se aprova, se executa e se avalia os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação de despesas de cada exercício financeiro.

O Orçamento além de ser peça pública, deve ser apresentado em linguagem clara e compreensível a todas as pessoas e suas estimativas devem ser tão exatas quanto possível de forma a garantir a peça orçamentária um mínimo de consistência.

Mas o orçamento é uma peça que é formalmente instrumentalizada por meio de lei, mas, que, materialmente, se traduz em ato político-administrativo. Tem-se a posição do Supremo Tribunal Federal já delineada:

“EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PROVISÓRIA SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA - C.P.M.F. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE “DA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DA C.P.M.F.” COMO PREVISTA NA LEI Nº 9.438/97. LEI ORÇAMENTÁRIA: ATO POLÍTICO-ADMINISTRATIVO - E NÃO NORMATIVO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO: ART. 102, I, A, DA C.F. 1. Não há, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, a impugnação de um ato normativo. Não se pretende a suspensão cautelar nem a declaração final de inconstitucionalidade de uma norma, e sim de uma destinação de recursos, prevista em lei formal, mas de natureza e efeitos político-administrativos concretos, hipótese em que, na conformidade dos precedentes da Corte, descabe o controle concentrado de constitucionalidade como previsto no art. 102, I, a, da Constituição Federal, pois ali se exige que se trate de ato normativo. Precedentes (...)”. (ADI 1640 / DF, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 12/02/1998).

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Como lei, o orçamento se submete ao controle abstrato de constitucionalidade (ADI 4048 MC/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, 14 de maio de 2008).

A legislação e a execução prática do orçamento da União, no Brasil, consideram a despesa fixada na lei orçamentária como uma “autorização para gastar”, e não como uma “obrigação de gastar”. Isso abre espaço para que o Poder Executivo não realize algumas despesas previstas no orçamento. Trata-se do chamado “orçamento autorizativo”, no qual parte das despesas pode ser “contingenciada”.

A ideia de “orçamento impositivo” é mudar essa prática, tornando obrigatória a execução de todo o orçamento nos termos em que ele foi aprovado pelo Congresso Nacional.

“Orçamento impositivo” quer dizer que o gestor público é obrigado a executar a despesa que lhe foi confiada pelo Legislativo. Que apenas alguma coisa muito excepcional poderia liberá-lo desse dever.

Fala-se que hoje o orçamento não é mais autorizativo, mas impositivo.

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O orçamento impositivo é uma medida legislativa que visa tornar obrigatórias determinadas despesas públicas, garantindo que emendas parlamentares sejam cumpridas.

Trata-se, na verdade, de um dinheiro paralelo ao reservado para as emendas individuais a que todos os congressistas têm direito - aliados e opositores - e que o Executivo tem a obrigação de pagar.

A cada ano, deputados e senadores fazem essas indicações, para que o recurso federal seja aplicado nos redutos eleitorais deles em todo o país.

Há quatro tipos de emendas:

  • Emendas individuais, feitas por deputado ou senador com mandato vigente;
  • Emendas de bancada, que reúnem os parlamentares do mesmo estado ou do Distrito Federal, ainda que sejam de partidos diferentes;
  • Emendas de comissões, propostas pelas comissões permanentes ou técnicas da Câmara e do Senado;
  • Emendas do relator do Orçamento, incluídas pelo relator a partir das demandas feitas por outros políticos.

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Nessa linha de ideias, lembra-se que, em 2015, o Congresso promulgou uma mudança na Constituição para tornar impositivas (de execução obrigatória) as emendas individuais.

Em 2019, os parlamentares voltaram a mudar a Constituição para tratar do tema. Desta vez, tornaram obrigatória a execução das emendas de bancada.

Com essa mudança importante, as relações entre o Poder Executivo e Legislativo deixam de representar um presidencialismo de coalização, para termos um verdadeiro semiparlamentarismo, em que o Legislativo cada vez mais orienta os atos de governo ao Executivo.

Os parlamentares ganham maior influência e controle sobre a execução do orçamento.

Por certo, é mister que nesse procedimento sejam exigidos transparência e eficiência, princípios pelos quais a Administração Pública deve se nortear.

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De toda sorte, o orçamento não poderá ser secreto.

Aliás, lembre-se que a ministra aposentada Rosa Weber, então presidente do STF, votou no dia 14.12.22, para considerar o orçamento secreto inconstitucional.

A relatora da ação, ministra aposentada Rosa Weber, entendeu que o pagamento destas emendas parlamentares de relator viola o direito à informação e a separação de Poderes, indo contra os princípios da Constituição. “O modelo em prática viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência dos recursos financeiros do estado”, ressaltou.

A ministra destacou ainda que o mecanismo desequilibra o processo democrático e criticou o uso destas emendas para interesses eleitorais. “A captura de recursos públicos por emendas parlamentares no Brasil não encontra paralelo na comparação com outros países”, disse Weber, relembrando em seu voto escândalos relacionados ao Orçamento, como a dos anões do Orçamento, no qual parlamentares se envolveram em várias fraudes para o desvio de recursos nos anos 1990.

Preocupa, sobremaneira, um orçamento secreto que agrida a necessária e essencial transparência no uso de gastos públicos.

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Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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