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A segurança pública brasileira precisa mudar

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Por Willy Hauffe
Atualização:
Willy Hauffe. Foto: APCF/Divulgação

Hoje o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 800 mil detentos. Esse número é uma das consequências de uma política de segurança focada quase que exclusivamente na repressão, marcada pela violência que provoca milhares de mortes em conflitos, sendo que a cada dois dias, infelizmente, registramos a morte de um ou uma policial. Ainda assim, o crime organizado, a violência e a insegurança imperam, conforme se pode constatar pelas estatísticas de ocorrências divulgadas nestes últimos anos. Diariamente são registrados cerca de 130 homicídios e 180 estupros.

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Neste 10 de Março, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) completa 34 anos de existência e de compromisso com melhoria dos processos de produção das provas e na sua imprescindibilidade à realização da justiça no Brasil. Nesta oportunidade chamamos a atenção para a necessidade de que as autoridades responsáveis pela formulação das políticas de segurança priorizem providências que vêm sendo negligenciadas há anos, independentemente de governo, de partido político ou ideologias.

Fato é que a ciência sempre esteve em segundo plano nas políticas de segurança, sendo suplantada pela prioridade dada à repressão e pela preponderância de hipóteses investigativas baseadas unicamente nas convicções das autoridades policiais, estratégias que já deram provas ineficácia.

O trabalho policial não se resume a portar uma arma, usar um colete e andar de viatura, precisamos evoluir muito e ter a ciência e as novas tecnologias em favor da segurança pública.

Como bem alertou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o Brasil prende muito, mas prende mal. A falência dessa política de segurança pública baseada no encarceramento, se comprova pela realidade das penitenciárias do país. Superlotadas, elas são usadas como centros de formação do crime no interesse das facções criminosas cujo poder e influência é crescente e há muito já extrapolou os muros das prisões, lançando seus tentáculos nos meios empresariais e na própria estrutura do Estado.

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A prova cabal da debilidade do Estado fica patente quando há necessidade de uma lei, que visa coibir brigas entre torcidas organizadas e esta não funciona, e o conflito passa a ser intermediado por facções criminosas, muitas vezes com o patrocínio das autoridades públicas.

Os crimes violentos contra a vida, estupros e corrupção, que na maioria das vezes não são identificados em flagrante, têm baixíssimo índice de solução ou demoram demais para serem elucidados, e na maioria das vezes não há o necessário exame de corpo de delito/local de crime, perdendo vestígios que poderiam indicar pretensas autorias, aumentando a sensação de insegurança e de impunidade.

O estudo "Onde Mora a Impunidade", do Instituto Sou da Paz, mostra que somente 37% dos homicídios praticados em 2019 resultaram em denúncias à Justiça até o fim de 2020. Os assassinatos que tiveram a indicação de autoria são uma fração ínfima desse total. Esse cenário só pode ser revertido por meio da priorização da ciência como ferramenta de enfrentamento ao crime.

Um país continental como o Brasil demanda, com urgência, a disponibilização e utilização intensiva de bancos de dados criminais e de criminalística, que sejam integrados por todas as unidades federativas, compartilhando informações sobre as ocorrências, os achados de investigações ainda em aberto, como os vestígios coletados e padrões de criminalística para seu confronto, de modo a impedir que os culpados sigam cometendo crimes e que inocentes venham a ser presos ou condenados injustamente.

O que constatamos é que o Brasil não tem usado todo o potencial da ciência no enfrentamento à criminalidade. Prova disso é que ferramentas poderosas desenvolvidas pela perícia criminal, como os bancos de DNA, ainda são subutilizadas, em decorrência da necessidade de ajustes na Lei de Execução Penal.

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Outras ferramentas fundamentais são os bancos de dados, como o de informações sobre armas e munições, banco de imagens conhecidas de crime e imagens de identificação de pessoas, que servem tanto para combate à pedofilia, como crimes comuns, onde é necessária a identificação inequívoca do autor em sede pericial e desde a busca pelo padrão mínimo de qualidade para as imagens das câmeras de segurança, o armazenamento e a correta coleta e observação da cadeia de custódia dos vestígios e, em especial, os vestígios digitais, o que, infelizmente, não estão sendo priorizadas pela direção da maioria dos órgãos policiais, que ainda internalizam as pretensas provas e tentam materializa-las sem o auxílio da ciência, a correta manipulação e trâmite até o fim do processo, tornando-as por vezes nulas, assim o crime nunca será devidamente punido e desarticulado.

*Willy Hauffe, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

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