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Opinião | A urgência de um Direito Sancionador Orçamentário no Brasil: o caso do Orçamento de 2025

O Brasil vive um paradoxo: temos regras orçamentárias claras na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas nenhuma sanção direta para o atraso na aprovação do orçamento

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Por Vanessa Reis

O atraso na aprovação do Orçamento de 2025 pelo Congresso Nacional trouxe à tona, mais uma vez, a fragilidade normativa que compromete o planejamento financeiro do país e, consequentemente, a execução das políticas públicas que impactam diretamente a vida dos brasileiros. Embora a Constituição Federal determine que a Lei Orçamentária Anual (LOA) deva ser aprovada antes do início do exercício financeiro, a prática mostra que essa exigência tem sido ignorada sem maiores consequências legais.

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No último dia 20 de março, o Congresso aprovou, com meses de atraso, o Orçamento da União para 2025. O texto, relatado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), prevê uma despesa total de R$ 5,889 trilhões, incluindo gastos com o refinanciamento da dívida pública e a manutenção de programas sociais estratégicos, como o Bolsa Família, o Farmácia Popular e o Vale Gás. Também estão garantidos recursos para investimentos em infraestrutura, segurança pública e pesquisas científicas. No entanto, o que chama a atenção não é apenas o volume de recursos, mas o tempo perdido na aprovação da peça orçamentária.

A sanção tardia da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, ocorrida em março deste ano, não é exatamente uma novidade na política brasileira. Desde a redemocratização, aprovar o Orçamento com atraso se tornou uma prática comum no Congresso Nacional.

Relembre-se que a LOA de 2021, até o dia 21.04.2021, ainda não havia sido sancionada pelo Presidente da República. O texto enviado pelo Congresso Nacional reduziu o orçamento previsto para despesas obrigatórias, com um aumento de despesas discricionárias, derivadas de emendas de relator-geral e emendas de comissões permanentes. Tal fato gerou um grande impasse no país, para manter o “teto de gastos” e equacionar o orçamento. A solução para ajustar esse desequilíbrio foi a edição de uma lei, um dia antes do prazo final para aprovação do orçamento, em 22.04.2021, concedendo ao Governo a possibilidade de bloquear gastos discricionários para pagamento de despesas obrigatórias e retirando da meta fiscal os gastos com a pandemia, para que seja cumprido o " teto de gastos".

Embora a aprovação tardia não paralise o funcionamento do governo — já que despesas obrigatórias seguem sendo pagas —, ela impede a liberação de novos investimentos e projetos. Sem a sanção da LOA, o governo fica restrito a medidas provisórias e à execução limitada de despesas essenciais, comprometendo áreas como infraestrutura, programas sociais e políticas públicas estratégicas.

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Apesar da recorrência, os atrasos na aprovação da LOA revelam uma fragilidade estrutural do processo legislativo orçamentário brasileiro e demonstram como disputas políticas, embates entre Executivo e Legislativo e crises institucionais podem comprometer o ritmo dos investimentos públicos.

Um dos grandes impasses que travaram a votação do Orçamento de 2025 foi o debate sobre as emendas parlamentares. O Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a questionamentos sobre a falta de transparência, suspendeu parte dos repasses destinados a essas emendas. A decisão do ministro Flávio Dino forçou o Congresso a repensar o sistema de distribuição dos recursos.

Como resposta, foi promulgada a Resolução nº 1/2025, que trouxe regras mais rígidas para a apresentação e indicação das emendas. A partir de agora, elas deverão ser registradas em sistema eletrônico, ter caráter institucional, respeitar critérios técnicos definidos pela Lei Complementar nº 210/2024 e estar acompanhadas de atas e justificativas que comprovem o benefício social e econômico das propostas. Outro ponto de destaque aprovado é que as emendas individuais de transferência especial, comumente chamadas de emendas PIX, deverão ser destinadas preferencialmente à conclusão de obras inacabadas.

O Brasil vive um paradoxo: temos regras orçamentárias claras na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas nenhuma sanção direta para o atraso na aprovação do orçamento. Isso gera um vácuo normativo que permite que as disputas políticas sobre emendas e outras negociações internas bloqueiem o processo orçamentário sem que haja qualquer responsabilização objetiva.

É aí que surge a necessidade de um Direito Sancionador Orçamentário robusto e preventivo, capaz de criar consequências reais para a inércia ou para condutas que atrasam o fluxo do ciclo orçamentário. Hoje, a postergação da LOA não gera responsabilização formal dos envolvidos, o que incentiva o uso estratégico do orçamento como ferramenta de barganha política.

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Nesse contexto, destaca-se o papel da Instituição Fiscal Independente (IFI), criada pela Resolução nº 42/2016 do Senado Federal, como uma ferramenta técnica de monitoramento das contas públicas. A IFI contribui para a transparência fiscal ao avaliar a sustentabilidade da dívida e o cumprimento das metas fiscais, mas também tem se consolidado como um agente importante na análise da qualidade da despesa pública.

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Suas análises técnicas podem ser de grande valia para agilizar esse impacto prévio dos projetos de lei orçamentários, para garantir que os recursos sejam alocados em áreas prioritárias e de alto impacto social, evitando o desperdício e o uso ineficiente dos recursos públicos. No entanto, a IFI atua de forma consultiva e, embora essencial, não tem poder sancionador para frear o desvirtuamento do processo orçamentário, mas pode agir como um importante instrumento para a efetividade do orçamento.

Porém, antes de mais nada, é hora de o Brasil avançar e implementar medidas estruturantes, com a criação de penalidades institucionais para o atraso na LOA, como a possibilidade de responsabilização administrativa e financeira de agentes públicos que atuem dolosa ou culposamente para atrasar o ciclo orçamentário; o fortalecimento do papel dos Tribunais de Contas, com possibilidade de adoção de medidas cautelares em caso de omissões graves na tramitação da LOA; a ampliação das competências da IFI, conferindo-lhe maior protagonismo na análise prévia de riscos fiscais e da qualidade das emendas apresentadas; a criação de uma Lei de Responsabilidade Orçamentária específica, nos moldes da LRF, mas focada nas etapas de elaboração e aprovação do orçamento, incluindo sanções e prazos mais rígidos.

O Orçamento de 2025 é mais um retrato de um processo que carece de regras mais duras e de maior compromisso institucional com a boa governança fiscal. A repetição de atrasos mina a credibilidade das instituições públicas, prejudica a execução eficiente das políticas sociais e impacta a confiança da sociedade no Estado.

O fortalecimento do Direito Sancionador Orçamentário deve ser visto não apenas como uma demanda técnica ou jurídica, mas como uma necessidade para garantir que o orçamento público cumpra seu verdadeiro papel: servir ao interesse público, com previsibilidade e responsabilidade.

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Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Vanessa Reis
Sócia do Medina Osório Advogados, mestre em Direito da Administração Pública, doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa, professora de Direito Financeiro e procuradora do Estado. Foto: Inac/Divulgação
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