Na última semana, publiquei a primeira parte deste artigo neste mesmo espaço, um dos mais nobres da imprensa nacional. Abordei naquele texto o absurdo de se permitir uma “aprovação por acordo” de candidatos que não souberam preencher corretamente o cartão de respostas do Concurso Nacional Unificado (CNU), também conhecido como “Enem dos Concursos”. Nesta segunda parte do artigo tratarei de três temas complementares.
MENSAGEM AOS CANDIDATOS
Sou concurseiro, fui reprovado várias vezes antes de ser aprovado e senti na pele todas as dores e angústias que um candidato passa. Ao final, aprovado, ingressei na carreira pública que escolhi, o que faz parte de minha história. Falo sobre o que vivi e conheço. Assim, espero que escutem um conselho de um colega mais vivido: não desistam, qualquer que seja a sua situação. Quem não vier a ser aprovado agora ou sentir que deixou de ser aprovado por causa desse acordo, ou de sua anulação, deve fazer o básico do concurseiro: saber que concurso não se faz para passar, mas sim até passar. É preciso continuar estudando, treinando e fazendo provas até alcançar o sucesso. Se, eventualmente, ingressar com ação judicial, deixe-a nas mãos do advogado ou do defensor público e continue se aperfeiçoando. Faça os concursos que estão por vir. É assim que funciona.
MAIS UM ERRO DO ACORDO DESCABIDO
O segundo ponto deste texto é, na qualidade de professor de direito constitucional e administrativo, uma crítica a mais uma medida totalmente descabida. Falo aqui da inclusão de novas regras aos candidatos dos blocos 4 e 5, que disputam vagas de Analista Técnico de Políticas Sociais (ATPS). Agora, por causa do acordo, esses candidatos precisarão também passar por uma “prova de títulos”, como etapa classificatória.
Ou seja: a pessoa analisou as vagas ofertadas no CNU e decidiu concorrer ao bloco 4 ou ao bloco 5 por várias razões. Podemos concluir que há quem tenha optado por um desses blocos por não possuir títulos suficientes e ali eles não serem cobrados. Porém, depois que o candidato tomou essa decisão, estudou para o teste, pagou a inscrição e fez a prova, as autoridades resolvem que também é preciso passar por uma prova não prevista no edital original. Isso é de um absurdo inimaginável.
Estou discutindo aqui a inclusão de um novo critério de seleção, que não constava do edital original. Assim como no caso dos “sem bolinha” (candidatos que não preencheram corretamente o cartão de respostas, mas que o acordo faz com que possam ser aprovados), estamos diante de uma mudança de regras “no meio do jogo”. O pior é que a mudança é feita pela própria administração pública, que tem o privilégio de redigir o edital. Quando a própria administração desrespeita o edital temos a ruína da seriedade e da credibilidade dos concursos públicos.
É legítimo que as autoridades, querendo melhorar a seleção, concluam que é melhor exigir currículo e títulos dos candidatos aos blocos 4 e 5. Todavia, essa evolução só pode ser implementada no próximo concurso que vier a ser feito, na próxima edição do CNU. Jamais a inclusão de uma nova exigência poderia ser feita no certame em andamento. Trata-se de situação diferente daquela dos “sem bolinha”, cuja aprovação é erro sem conserto, agora ou depois. A questão dos títulos é algo passível de correção, mas não agora. A situação equivale a querer trocar o pneu com o carro andando.
O acordo entre União (por meio do Ministério da Gestão e da Inovação), MPF e Cesgranrio parece ignorar que, no meio de um processo em curso, as pessoas já confiaram no edital e fizeram suas escolhas. É inaceitável a criação de novas regras quando o jogo já está acontecendo – e, nesse caso, já está na prorrogação do segundo tempo. Mais uma vez, a União se sujeita a responder a ações judiciais, que são custosas e demoradas. Agora, não só dos prejudicados pela inclusão dos “sem bolinha”, mas também processos de candidatos que teriam melhor colocação pela regra original e forem preteridos pelos “com currículo”. Novas regras, que beneficiam quem tem títulos antes não exigidos, até podem ser adicionadas, mas em uma edição posterior do CNU, nunca na que já foi iniciada.
Qualquer concurseiro sabe que o edital é a lei do concurso, mas quando aqueles que têm o privilégio de elaborar as regras do exame são os primeiros a rasgá-las, abala-se a credibilidade não só do concurso, mas também das instituições.
Estamos diante de uma situação lamentável e que causa dor e prejuízo a muitos. A seriedade dos concursos públicos no país está sendo jogada na lata do lixo. A administração pública precisa de duas coisas: 1) cobrar qualidade, mérito e competência dos aprovados em concursos; e 2) respeitar o artigo 37 da Constituição e o edital – que foi feito por ela mesma.
REPERCUSSÃO
No artigo anterior, falei sobre a situação dos candidatos apelidados de “sem bolinha”, que são as pessoas que não identificaram o cartão de respostas da forma correta. É inaceitável aprovar candidatos que não sabem sequer preencher o gabarito. Após a publicação do texto nesta página, porém, chegaram a mim notícias de que os próprios fiscais do exame teriam dado a orientação errada aos candidatos. Se isso for verdade, o cenário fica alterado. Dependendo da magnitude do erro de execução da empresa que realiza o concurso, a solução é anular todo o certame, por mais custoso que seja, já que aprovar pessoas não qualificadas ou prejudicar os candidatos por desorganização ou orientações erradas seria ainda pior.
Não se pode admitir desrespeito aos direitos dos candidatos, nem ao edital, nem à transparência e à confiabilidade do certame. O interesse público a prevalecer é múltiplo: a lhaneza e seriedade da seleção, o respeito à Constituição Federal, à lei e ao edital. Os interesses dos candidatos, da empresa realizadora e das autoridades não podem valer mais do que o interesse público.
CONCLUSÃO
Espero que em meio a esse cenário desolador nenhum candidato desanime. Erros de execução do concurso e reveses são parte da vida de um concurseiro, fazem parte do jogo. Eles podem prejudicar o candidato em uma prova, mas não prejudicarão sempre. Chega o momento em que o candidato que estuda o suficiente será aprovado. Persistência é uma das marcas do sucesso.
Espero persistência apenas dos candidatos. Da administração pública o que esperamos é que não persista no erro, mas que tenha a coragem de corrigir aqueles que já cometeu. E não os repita. Espero que haja uma mudança de rumo. Sem isso, vejo com profundo pessimismo o futuro das seleções públicas no país e, como consequência, o desmonte de qualquer esperança de um serviço público melhor, com excelência e eficiência.