Análise de Impacto Regulatório: uma ferramenta ainda distante da realidade brasileira?

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Por Jéssica Loyola Caetano Rios e Maria Laura Felix de Souza

Jéssica Loyola Caetano Rios e Maria Laura Felix de Souza. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No último dia 14.out, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 2.324/2022, que atualizou a regulamentação até então vigente sobre o uso terapêutico do canabidiol. A matéria já vem sendo tratada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) desde 2014. De acordo com o CFM, o ato normativo foi elaborado com base na revisão de publicações científicas feitas entre dezembro de 2020 e agosto de 2022 a respeito das aplicações terapêuticas e a segurança do uso do canabidiol, além de contribuições obtidas em consulta pública aberta para médicos de todo o país.

A resolução foi duramente criticada por especialistas e pacientes, especialmente por ter restringido as hipóteses de uso de remédios à base de canabidiol. Pela mesma razão, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento preparatório para apuração da compatibilidade da norma com o direito à saúde, requisitando maiores informações sobre as evidências científicas que sustentam o ato normativo e as suas repercussões administrativas, financeiras e técnicas no Sistema Único de Saúde (SUS).

Diante da repercussão provocada pelo novo texto da resolução, o CFM resolveu suspender os seus efeitos e promover a realização de consulta pública, aberta a toda a população e não apenas aos médicos e entidades médicas.

Sem adentrarmos no mérito do problema regulatório que pretende endereçar, a forma pela qual a Resolução nº 2.324/2022 foi aprovada serve de ponto de partida para reflexões a respeito dos processos decisórios na esfera regulatória.

Análise de Impacto Regulatório

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Embora a Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019) e a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) estabeleçam que a edição e alteração de atos normativos por toda Administração Pública Federal direta, autárquica ou fundacional, que tratem de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados, deva ser precedida da realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), a utilização adequada desta ferramenta muitas vezes parece distante da realidade brasileira.

Se, em alguns casos, decisões com clara repercussão técnica, econômica e social são tomadas sem uma análise prévia dos seus impactos, em outros, a AIR é tratada como uma etapa meramente burocrática e limitada a justificar uma escolha previamente definida pelo regulador. Em ambas as situações, fica prejudicada a realização de AIR como ferramenta de racionalização e aprimoramento da regulação nacional, de modo a fomentar e viabilizar a maior transparência, previsibilidade e racionalidade para a atividade regulatória.

Para que essa finalidade seja atingida, é fundamental que o processo decisório esteja pautado em dados e informações fáticas, conte com ampla publicidade das etapas envolvidas e considere a efetividade, os custos e impactos envolvidos em cada uma das alternativas possíveis para resolução do mesmo problema regulatório. A análise, aqui, demanda esforços multidisciplinares, que extrapolam a análise estritamente técnica do problema ou uma manifestação exclusiva da discricionaridade do gestor público.

A participação popular, nesse contexto, é igualmente fundamental e propicia a redação de normas mais representativas, tendo papel relevante também na redução dos riscos de captura da regulação. Sendo assim, a escolha do gestor em não submeter relatório de AIR à avaliação popular antes da publicação do ato normativo correspondente pode suscitar questionamentos se não for motivada sob à luz do princípio da razoabilidade.

Também é facultado ao gestor submeter texto preliminar da proposta de ato normativo à consulta pública ou aos segmentos sociais diretamente afetados pela norma, na hipótese onde, após a conclusão da AIR, opte-se pela edição, alteração ou revogação de ato normativo para enfrentamento de problema regulatório identificado. Este seria o caso da consulta pública sendo promovida pelo CFM para atualização da Resolução nº 2.324/2022.

Nesse cenário, deve-se ter cuidado para que não se resuma a participação popular ao recolhimento de contribuições a respeito do ato normativo pronto A população precisa conhecer de forma detalhada o problema enfrentado e os objetivos pretendidos com a medida regulatória proposta, confrontando as alternativas possíveis, avaliando seus efeitos, custos e benefícios e contribuindo para a construção de alternativas e levantamento das informações que subsidiarão o processo decisório.

Há muito o que se fazer para o aperfeiçoamento das práticas regulatórias no país e a AIR ainda é uma ferramenta que, embora obrigatória e muito promissora para melhorar a qualidade das medidas regulatórias, é desconsiderada em muitos casos. É preciso que sejam melhor delimitados os procedimentos para uma participação popular efetiva, de modo a evitar que se esvazie a função da AIR enquanto processo para avaliação de normas regulatórias.

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*Jéssica Loyola Caetano Rios e Maria Laura Felix de Souza, membros do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

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