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As joias do presidente e a estabilidade do servidor público

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Por Mauro Silva e Luís Humberto Carrijo
Atualização:
Joias de R$ 16,5 milhões dadas ao casal Bolsonaro e retidas na alfândega. Foto: Divulgação

Às vezes, é preciso que o trabalho anônimo dos servidores do Estado emerja à luz a fim de que a sociedade entenda sua importância para a administração pública e para o País. Não é de hoje que o funcionalismo é assaltado moralmente por atores poderosos que, por má-fé, ou por não entenderem a natureza de seu papel, consideram sua função um peso para o Estado. Como se seus direitos e sua remuneração estivessem além de seus méritos.

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Esse lugar-comum, difundido em geral por forças que querem capturar o Estado, reforça na opinião pública o estereótipo negativo de um profissional ineficiente, caro e, algumas vezes, dispensável. Não por acaso, nos últimos seis anos, os servidores públicos sofreram um intenso assédio institucional em meio a uma agenda de reforma administrativa ultraliberal, com ameaças às suas atribuições - tentativa que só não teve êxito por causa da forte reação da categoria e de parte da sociedade civil. Um dos aspectos que mais suscitaram debates foi o fim da estabilidade do emprego, como se essa característica inerente a qualquer servidor público do mundo democrático fosse o símbolo de uma sinecura.

Nada mais equivocado ou insidioso. O episódio da apreensão das joias do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por auditores fiscais da Receita Federal da alfândega no aeroporto de Guarulhos - exposto em reportagem produzida pelo jornalismo investigativo de Adriana Fernandes, do Estadão - é emblemático sobre a relevância dos mecanismos de proteção ao trabalho do profissional de carreira típica de Estado e dos servidores públicos em geral.

A repercussão escancarou a importância de se terem leis que blindam o funcionário público de pressões políticas, que ocorrem aos borbotões em maior ou menor grau, ao longo da cadeia da administração pública, e riscou uma nítida linha que demonstra que essa prerrogativa deve ser preservada e fortalecida no texto final da reforma tributária, que será apresentada à nação.

Mauro Silva e Luís Humberto Carrijo. Foto: Divulgação

Um auditor fiscal da Receita Federal, cujo trabalho é verificar se os contribuintes estão cumprindo com suas obrigações tributárias de acordo com a legislação vigente, só pode ser executado com autonomia e de maneira impessoal, sem medo de represálias, com a manutenção da previsão constitucional da estabilidade no emprego. Sem essa prerrogativa, qualquer funcionário será facilmente coagido a ceder aos interesses mesquinhos e nada republicanos dos mandatários de plantão e de aliados de dentro e de fora do governo em futuros episódios, como no caso das joias presenteadas ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro.

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A estabilidade é considerada ainda importante como forma não apenas para atrair, por meio do concurso público, mas para manter talentos, garantindo a continuidade dos trabalhos e a eficiência da administração pública.

A tentativa frustrada dos emissários do ex-presidente em liberar a mercadoria, sem cumprir os procedimentos e os ritos normativos, destaca a importância de se fortalecerem os órgãos de Estado, como a Receita Federal, e de valorizar o auditor fiscal e demais servidores públicos, assim como o direito constitucional da estabilidade funcional, cuja distinção assegura a transparência, a legalidade e a justiça nas ações do Estado, contribuindo para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. A promoção desses valores é essencial para a manutenção da confiança da população nas instituições públicas e para o desenvolvimento do País.

*Mauro Silva, presidente da Unafisco Nacional; Luís Humberto Carrijo, sócio-fundador da Rapport Comunica

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