O homem preso por suspeita de envolvimento no incêndio da estátua do bandeirante Borba Gato, na zona sul de São Paulo, afirmou à Polícia Civil que apenas foi contratado para levar os pneus que posteriormente foram queimados junto ao monumento, no sábado (24).
Será trabalho da Polícia do Estado de São Paulo investigar de sorte que o ilícito penal em tela foi algo organizado, oriundo de um grupo que quer destruir a memória dos bandeirantes.
Em 2016, a estátua de Borba Gato foi atacada com um banho de tinta. A mesma intervenção também não poupou o Monumento às Bandeiras, imponente obra de Victor Brecheret, um dos ícones da cultura brasileira, localizada no Parque do Ibirapuera, na capital paulista.
Trata-se de uma tentativa de desconstrução da memória.
O Brasil deve reconhecer o trabalho dos bandeirantes e ver nisso o envolvimento de homens de seu tempo, de sua época, como foram os que fizeram expedições na América, vindos da Espanha, de Portugal, dos holandeses, dos franceses.
A conduta é envolta num crime contra o patrimônio público.
Observo os crimes previstos na Lei 9.605/98 contra o patrimônio natural e cultural.
Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.
Trata-se de crime de menor potencial ofensivo que podem ser objeto de sursis processual ou ainda de acordo de não persecução penal.
Protege-se o ambiente abarcando em sua conceituação, como disse Luiz Regis Prado (Crimes contra o Ambiente, pág. 187), o patrimônio histórico, artístico e arqueológico, com ênfase conferida aos arquivos, registros, museus, bibliotecas, pinacotecas, instalações científicas e outros bens especialmente tutelados pela lei, ato administrativo ou decisão judicial.
Foi revogado o artigo 163 do Código Penal para o caso, em razão do princípio da especialidade.
O artigo 163 do Código Penal preceitua: ¨Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, prevendo pena de detenção de um a seis meses ou multa.
No ensinamento de Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso (Comentários ao Código Penal, volume V, pág. 105 e 106) na destruição, a coisa cessa de existir na sua individualidade anterior, ainda mesmo que não desapareça a matéria de que se compõe; na inutilização, a coisa não perde, individualmente, a sua individualidade, mas é reduzida, ainda que temporariamente, à inadequação ao fim a que se destina; com a deterioração, a coisa sofre um estrago substancial, mas sem desintegrar-se totalmente, ficando apenas diminuída na sua utilidade ou desfalcada em seu valor econômico , na destruição, a coisa cessa de existir na sua individualidade anterior, ainda mesmo que não desapareça a matéria de que se compõe; na inutilização, a coisa não perde, individualmente, a sua individualidade, mas é reduzida, ainda que temporariamente, à inadequação ao fim a que se destina; com a deterioração, a coisa sofre um estrago substancial, mas sem desintegrar-se totalmente, ficando apenas diminuída na sua utilidade ou desfalcada em seu valor econômico
Consuma-se o crime com o início efetivo de qualquer atividade disposta na lei.
O elemento subjetivo do crime é o dolo especifico.
É crime comum, comissivo, de forma livre e material.
É crime de ação penal pública incondicionada.
Como acentuou ainda Paulo Affonso Leme Machado (obra citada, pág. 925) todos os monumentos estão protegidos independentemente de seu tombamento. As coisas que não sejam monumentos, para serem objeto da tutela do artigo 64 precisam ser tombadas. Os monumentos não costumam ser tombados.
Lembre-se que para os bandeirantes não existiam caminhos.
Cada movimento foi conquistado a golpes afiados, que dilaceram a vegetação, derrubaram as feras, sangraram os que se atreviam a enfrenta-los.
Os bandeirantes avançaram em busca da forte em ouro, prata ou índios para escravizar. Avançaram para combater os espanhóis, derrota-los, desalojá-los.
Da pequena vila no planalto de Piratininga partiam e chegavam os bandeirantes.
As expedições de Raposo Tavares cobriram grande parte da América do Sul. Do Guiará(1628/29) e do Tape(1636/38) expulsou os espanhóis, incorporando ao Brasil os Estados sulinos e anulando, na prática, na linha de Tordesilhas. Mais tarde, em luta com a Holanda, navegou pelo litoral leste, regressando por terra desde o Rio Grande do Norte até a Bahia(Retirada do Cabo de São Roque - 1639/40). Raposo Tavares reuniu-se a Azevedo e fizeram algumas plantações. Depois, Raposo Tavares foi pelo interior do continente até a floresta amazônica e seguiu o curso dos rios Guaporé, Madeira e Amazonas, vindo a aparecer, já velho em Gurupá, no atual Estado do Pará. Foi uma verdadeira odisseia americana.
Como não reconhecer esse papel para a história?
A escravidão foi um fenômeno comum na época. Europeus e árabes escravizaram-se mutuamente, quando conseguiram aprisionar seus adversários na guerra.
Borba Gato não foi um caçador de índios.
Manuel de Borba Gato (1649-1718) foi um bandeirante paulista. Iniciou suas atividades com o sogro, Fernão Dias Paes. Quando faleceu, em 1718, com 69 anos de idade, ocupava o cargo de Juiz ordinário da vila de Sabará. Além de descobridor de minas, foi administrador no fim da vida.
Após 1681, Borba Gato dirigiu-se para Minas Gerais onde se desentendeu com um fidalgo e acabou o matando. Para não ser condenado preferiu se evadir nas matas e acabou encontrando ouro no Rio das Velhas. Desta maneira, negociou com as autoridades o perdão pelo crime em troca de revelar a localização exata dos veios de ouro.
Assim, em 1698, obtém o perdão e o posto de lugar-tenente (oficial que desempenha, por delegação, as funções e ou outra pessoa). Em seguida, indicou onde estava o metal precioso nos ribeirinhos e na serra de Sabará.
Havia duas versões para esse assassinato.
Em uma discussão, Borba se precipitou tão arrebatado de furor que deu em D. Rodrigo violento empurrão e o deitou ao fundo de uma alta cata, na qual caiu morto. Outra versão imputava o assassinato a dois criados de Borba Gato.
Borba Gato fugiu e viveu foragido muitos anos nos sertões do rio Piracicaba ou rio Doce tendo atingido a região onde estes dois rios se encontram, local em que hoje está o município de Ipatinga, MG. Teria descoberto também o ouro do Rio das Velhas. Entre o Sumidouro e a atual Sabará, era o posto da Roça Grande, abundante de ouro.
Da vida de Borba Gato, antes da morte de D. Rodrigo, pouco se sabe. Teria uns 46 anos quando partiu na longa bandeira do sogro, Fernão Dias, onde logo se se distinguiu e tornou-se um dos capitães de maior prestigio.
Após a morte do espanhol, começaram os problemas de Borba Gato. Fugindo, embrenha-se logo para além da Mantiqueira, no sertão de São Francisco, acompanhado de alguns servidores. E ali se instala respeitado como um cacique, convivendo com os índios.
Assim, em 1698, obtém o perdão e o posto de lugar-tenente (oficial que desempenha, por delegação, as funções e ou outra pessoa). Em seguida, indicou onde estava o metal precioso nos ribeirinhos e na serra de Sabará.
Borba Gato, foragido, iria encontrar o ouro.
Garcia Rodrigues Paes resolve decidir de uma vez por todas a situação de Paes. Procura o governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Meneses. O governador, que já conhecia amostras do ouro descoberto por Borba Gato, disse:
- Pelas notícias que tenho, nas paragens a que chamam Sabarabuçu, haverá mina de prata; a cujo serviço mando Borba Gato, para que explore os morros e serras que houver naquelas partes.
A descoberta de novas terras perdoa o crime de Borba Gato.
Borba Gato voltou ao sertão com dois genros, Antônio Tavares e Francisco de Arruda, rumo a uma região que conhecia. Encontrou ouro.
O governador concedeu a Borba Gato uma carta de franquia para andar pela região sem ser molestado.
Em 1770, de perseguido pela Justiça, Manuel de Borba Gato passa a homem de confiança do governo. Disse o governador:
- Para o distrito do Rio das Velhas se necessita um guarda-mor; vendo eu que o Tenente-General Manuel de Borba Gato, além dos grandes merecimentos que tem por sua pessoa, prudência e zelo do real serviço, é prático no dito sertão e, pela muita experiência e do que desta fica, dará inteiro cumprimento ao que lhe foi ordenado e ao regimento que mandei dar aos gardas-mores das minas, hei por bem de o nomear no cargo de guarda-mor do distrito do Rio das Velhas.
*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado
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