O rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é, por essência e conforme regulação aplicável, taxativo ao estabelecer a cobertura mínima obrigatória a ser oferecida por todos os planos de saúde. Essa relação contempla os processos considerados indispensáveis ao diagnóstico, tratamento e acompanhamento de todas as enfermidades listadas na CID (Classificação Internacional de Doenças) da Organização Mundial de Saúde.
A importância da taxatividade - a exigência de cobertura somente do que está relacionado no rol da ANS - está ligada à segurança, eficácia, custo e efetividade para se chegar a um preço ao beneficiário. A discussão em voga no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que considera a possibilidade de o rol ser exemplificativo, é preocupante para o setor de saúde suplementar, pelo risco de inviabilizar o acesso aos planos privados de saúde no Brasil a uma parcela ainda maior da população. Uma cobertura ilimitada acaba com a previsibilidade de custos, o que é determinante para o valor do contrato, bem como, diametralmente oposta à sustentabilidade de um sistema que busca proporcionar mais acesso à saúde populacional.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), apoiando a regulação aplicável, tem se posicionado a favor da manutenção do caráter taxativo do rol, preocupada não só com a segurança jurídica dos contratos já celebrados, mas também com a futura oferta dos preços aos beneficiários.
A segunda seção do STJ decidirá por meio do Embargo de Divergência em Recurso Especial 1.733.013/PR a discordância entre a 3ª e 4ª Turma do STJ a despeito do rol de procedimentos de planos de saúde, fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), se constitui uma cobertura mínima obrigatória taxativa ou exemplificativa dos procedimentos.
Na ação em comento, uma operadora de saúde recorre de uma decisão da 3ª Turma do Tribunal que a obrigou a custear tratamento fora do rol da ANS, por considerar a lista com caráter meramente exemplificativo. A cooperativa de saúde em questão invocou precedente da 4ª Turma, segundo o qual o rol constitui garantia para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população, conforme o 2º parágrafo da Resolução Normativa nº 439 da ANS, reforçando o caráter taxativo do rol.
A Abramge, em todos os momentos que se manifesta sobre o tema, ressalta também o importante papel da ATS (Avaliação de Tecnologia em Saúde) na avaliação de custo e efetividade dos procedimentos. A ATS aparece como um processo multidisciplinar que resume informações sobre questões médicas, sociais, econômicas e éticas relacionadas ao uso das tecnologias em saúde e que funciona como uma ferramenta para a tomada de decisão consciente pela incorporação de tecnologias. Assim como o rol taxativo garante contratos e coberturas a preços mínimos para o consumidor final.
Importante apenas destacar que, no mundo, a ATS surgiu nos anos 1960 e se tornou um instrumento fundamental para auxiliar na tomada de decisão de diversas áreas ligadas à saúde. Se disseminou na América do Norte, na Europa, na Austrália e, posteriormente, nos países em desenvolvimento. O processo de institucionalização da ATS se deu pela criação de redes e de um aumento progressivo do número de agências membros da International Network of Agencies for Health Technology Assessment (INAHTA).
O entendimento de que o rol de procedimentos da ANS precisa ser taxativo para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de planos de saúde também é compartilhado por especialistas que participaram do seminário "Jornada Jurídica da Saúde Suplementar", promovido pelo IESS. O ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão falou da preocupação com a excessiva judicialização de questões de saúde e defendeu a segurança jurídica e os precedentes vinculantes dos tribunais superiores. Já o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega abordou a divergência entre as Turmas, ao dizer que isso cria uma incerteza, pois o rol da ANS é a base do cálculo da mensalidade do plano de saúde. Para ele, torná-lo exemplificativo é deixar uma página em branco, criando dificuldades de operacionalização.
É sabido que a incorporação de tecnologias no setor de saúde é um processo complexo e requer estudos minuciosos. Nos Estados Unidos, a título de exemplo, as operadoras possuem discricionariedade para oferecer contratos diversificados, desde que sempre observadas as coberturas consideradas mínimas e obrigatórias. Isso é uma forma de prover maior acesso e escolha ao consumidor final. E, assim como disciplinado aqui no Brasil, eles comumente recorrem à ATS para a análise quanto à inclusão ou não de novos procedimentos. Ou seja, não há plano ilimitado a todo e qualquer tratamento. Há uma cobertura completa daquilo que estiver listado, que deve estar contemplado em todos os planos comercializados.
Estamos no caminho do avanço para aumentar a cobertura do beneficiário em menos tempo. Lembro que, desde o ano passado, incluímos testes variados e alguns exames para fins de desospitalização, houve alteração do rol com a incorporação de uma série de novos procedimentos no segundo semestre, e está em discussão a inserção do teste antígeno para Covid-19. O debate continua ainda com projetos de lei relacionados ao tema e a MP (Medida Provisória) para a redução do prazo de avaliação da ATS. Com respeito aos contratos, somos capazes de promover incorporações contínuas de procedimentos cada vez mais céleres, sem inviabilizar a saúde suplementar no Brasil.
Aguardarmos uma definição do tema nos órgãos superiores para que não paire insegurança jurídica e judicialização descontrolada sobre o tema, bem como diversas decisões monocráticas e sem uniformidade nacional de entendimento de uma questão sensível para o setor de saúde suplementar, que impacta indiretamente todo o sistema de saúde do país.
*Nathalia Pompeu, superintendente jurídica da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde)