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Caso Daniel Alves e a prova do crime sexual

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Por Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo
Atualização:
Daniel Alves. Foto: Francisco Guasco/EFE

Desde épocas imemoriais a conjunção carnal violenta e sem o consentimento da vítima se faz presente nas sociedades.

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Em pleno século XXI e em que pese o rigor das penas previstas, há ainda muitos casos de crimes de estupro, na maioria das vezes praticados por homens, de qualquer etnia e classe social.

De acordo com notícias veiculadas pela imprensa catalã, o jogador de futebol Daniel Alves teria estuprado uma mulher de 23 anos no interior de uma boate. Segundo relatos da vítima, Daniel Alves a teria levado até o banheiro e trancado a porta, de forma a impedi-la de sair. Na sequência, teria tirado seu vestido à força, desferindo tapas, ofensas verbais e mantido relação sexual forçada.

Há notícias também que a vítima teria relatado à Justiça catalã a existência de uma tatuagem na parte inferior do abdômen do jogador, fato esse que seria considerado como importante elemento de prova da ocorrência do crime.

Todavia, no âmbito da apuração da prática de um crime é a reunião de provas que determinará a existência do delito, em especial as provas da autoria e materialidade.

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Isso ocorre, na maioria das vezes, mediante a instauração de inquérito policial que nada mais é do que o conjunto de diligências que visam investigar a ocorrência ou não do crime, recolhendo provas e identificando o seu autor.

A palavra da vítima, nos crimes contra a dignidade sexual, comumente praticados às ocultas, possui especial relevância, desde que esteja em consonância com as demais provas recolhidas, sejam elas testemunhais, periciais ou de ambas as naturezas.

No entanto, é raro que a prática de crime sexual seja testemunhada. Motivo pelo qual, na grande maioria dos casos, a prova desse tipo de delito fica restringida às declarações da vítima e do suspeito.

Daí porque a prova técnica assume, muitas das vezes, uma importância decisiva no desenrolar da investigação e do processo penal, auxiliando a Justiça na busca pela verdade e na resolução dos casos envolvendo agressões sexuais.

Com efeito, quando se trata de crimes sexuais, está-se perante situações que envolvem questões médicas, biológicas e científicas que reclamam a especificidade da perícia.

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Tem-se, dentre os exames periciais mais importantes para a comprovação da materialidade do crime, a perícia sexológica, que tem como escopo indicar a existência de roturas no hímen (tratando-se de mulheres virgens) e vestígios de prática sexual, tais como: fissuras, lacerações, hematomas, dentre outras lesões na região vulvar, vestibular etc.

Para além disso, realizar-se-ão pesquisas de espermatozoides na cavidade vaginal e outros vestígios no corpo da vítima, como cabelos, pelos e líquido espermático.

Na sequência, serão solicitados exames laboratoriais, tais como: pesquisa de espermatozoides, líquido seminal, teste de gravidez, exames toxicológicos, exames de sangue para tipagem, pesquisa de saliva etc.

O vestuário pode ser tão revelador quanto o exame médico propriamente dito. As manchas, rasgos, dentre outros vestígios, poderão revelar a violência associada aos fatos e a resistência oferecida pela vítima.

Além disso, as fibras recolhidas no vestuário da vítima são também vestígios de grande importância probatória, ligando o suspeito à vítima.

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A genética forense faz-se também imperiosa no exame do local do crime, ocasião em que os experts colherão materiais biológicos disponíveis na cena do crime, do suspeito e da vítima.

Nesse sentido, serão laboratorialmente analisados objetos com restos orgânicos como pele dos lábios e saliva (em pontas de cigarro, copos, garrafas, latas de bebidas, comida, lençóis de cama etc.), os quais serão analisados para eventual identificação do Perfil de DNA.

No Brasil, assim como na maioria das outras nações, os Perfis Genéticos levantados são inseridos no Banco Nacional de Perfis Genéticos.

No caso de o crime não deixar vestígios, ou quando estes perecerem em razão do decurso do tempo, há a possibilidade da perícia de reprodução simulada dos fatos, a qual consiste num exame realizado pelo órgão oficial de perícia que produz versões ilustradas por fotografias e croquis, com a participação ativa das partes e testemunhas, com o objetivo de verificar a possibilidade científica da ocorrência dos fatos.

Nesse ponto, importante assinalar que o suspeito é intimado a participar do exame, sendo-lhe, contudo, facultado o exercício do direito ao silêncio, bem como de não produzir prova contra si.

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Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo. Foto: Divulgação

Lado outro, a perícia computacional nos celulares apreendidos em poder da vítima e do suspeito poderá trazer importantes elementos para a elucidação dos fatos e confirmação ou não das versões apresentadas pelas partes, por meio da extração e posterior análise de dados, tais como, conversas travadas em aplicativos, mensagens, áudios, prints, e-mails, vídeos e fotografias relacionados aos fatos.

Como se vê, as provas da ocorrência de crimes sexuais vão além da palavra da vítima e de eventuais testemunhos, sendo de fundamental importância a prova técnica para a resolução desses tipos de delitos, destacando-se, inclusive, a urgente necessidade da recolha dos vestígios logo após a ocorrência dos fatos.

No caso específico do jogador Daniel Alves, há informes noticiários de que a vítima, logo após a ocorrência dos fatos, prontamente comunicou os seguranças da boate, os quais acionaram a polícia local.

Na sequência, foi submetida a exame médico, cujo relatório, dentre outras coisas, relata a constatação de lesões características de estupro e ferimentos leves compatíveis com a resistência oferecida pela vítima. Ainda, foram colhidos vestígios biológicos no local do crime e o vestido que a vítima usou na data da ocorrência dos fatos foi entregue pela vítima aos policiais.

Os resultados desses exames, analisados em conjunto com as demais provas obtidas, como as versões da vítima e do suspeito, os testemunhos e as gravações das câmeras do local dos fatos, revelarão se, de fato, o jogador Daniel Alves praticou o crime de estupro em questão.

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*Mayra Mallofre Ribeiro Carrillo, advogada criminalista especializada em Direito Penal Europeu, sócia do Damiani Sociedade de Advogados

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