A alta dos casos demonstra que o uso de smartphones, tablets e redes sociais faz o problema do bullying sair do pátio da escola e chegar às casas dos alunos, na intimidade do lar. Mas apesar da dificuldade de acesso e complexidade de análise processual nos fóruns da Justiça, é possível aprender o comportamento das partes em conflito e compreender a tendência dos julgados, em decisões que já alcançam instâncias superiores. Nisto, dados estatísticos são necessários para que as escolas possam trabalhar com a realidade de uma forma muito mais concreta. Os números poderiam ser ainda mais precisos se os tribunais produzissem relatórios sobre ações judiciais de bullying e cyberbullying, o que não impediria o cumprimento do segredo de justiça concedido às situações com crianças e adolescentes.
Já a falta de iniciativas e condições do sistema de justiça para a coleta de informações de casos judicializados se insere no contexto como fator prejudicial ao combate e prevenção do bullying e cyberbullying. A própria Lei do Bullying, em vigor desde fevereiro do ano passado, não dispõe das funções do Judiciário e do Ministério Público neste aspecto. A lei apenas obriga estados e municípios a produzirem e publicarem relatórios bimestrais das ocorrências para fins de planejamento das ações de prevenção e enfrentamento ao bullying. Circunstância diferente de outras leis, como a Maria da Penha, que determina a inclusão das estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher nas bases de dados dos órgãos oficiais do sistema de justiça e segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Todas as situações do levantamento produzido pelo SLM Advogados envolvem cyberbullying, prática que usa tecnologias de informação e comunicação para dar apoio a comportamentos deliberados, repetidos e hostis praticados por um indivíduo ou grupo com a intenção de prejudicar o outro. E quase a metade registra ações de cyberstalking, que significa o uso de ferramentas tecnológicas com o objetivo de perseguir ou assediar uma pessoa. Em que pese nos últimos dez anos terem se multiplicado as discussões sobre o bullying nas escolas, o problema cresce. Ainda há um descompasso entre o que se é admitido pelas autoridades de ensino e os casos concretos.
A única forma de prevenção ao cyberbullying é a educação digital de adultos, crianças e adolescentes; trabalho que demanda conhecer a problemática das relações humanas, identificando-as dentro das instituições e planejando ações de combate efetivas para a transformação da cultura de violência em cultura de resiliência. E o primeiro passo é reconhecer situações de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, cometidos pelos educandos presencialmente ou por meio de smartphones, tablets e redes sociais. A vigência da Lei do Bullying é um marco social que impacta profundamente nas relações sociais existentes nas instituições de ensino e nos clubes. A lei institui às escolas, clubes e agremiações o dever de implementar ações educacionais, jurídicas e psicológicas em face do problema.
Pais e escolas precisam compreender os variados aspectos da lei, desde as formas de aplicação até mesmo as sanções previstas por falta de iniciativas e boas práticas de enfrentamento ao problema. A verdade indiscutível sobre bullying e cyberbullying é que administradores e gestores, públicos e privados, precisam sair definitivamente da zona de conforto e negação sobre os prejuízos causados por esta violência, seja pelas vias presencial e on-line. Na perspectiva de provocar a reação proativa de pais e escolas diante do problema, o SLM Advogados desenvolveu e coordena um programa jurídico-educacional de combate à intimidação sistemática Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying em 2014, antes da publicação da Lei do Bullying.
O programa já é adotado pelas mais importantes escolas particulares de São Paulo e permite o gerenciamento de todo o ambiente de segurança digital por meio de processos de Educação Digital e Compliance Escolar disponibilizados a pais, alunos e professores. O objetivo é a prevenção, diagnose e combate aos riscos de incidentes digitais e presenciais, de toda e qualquer natureza. Isto num cenário em que 80% das ocorrências na comunidade escolar envolvem preconceito, discriminação estética, difusão de conteúdos íntimos por dispositivos eletrônicos, dentre outras situações que também atingem educadores. São diversas formas de violência física, psicológica e moral que poderão acarretar em indenizações de, no mínimo, R$ 5 mil a R$ 15 mil na vara cível.
Pais e educadores devem ser capazes de reconhecer as diferenças entre agressões e situações de violência do que é usualmente visto como brincadeiras. Por esta razão a Lei do Bullying exige das instituições de ensino, clubes e agremiações recreativas a adoção, obrigatória de programas voltados para prevenção e combate à violência sistemática. O crescimento dos casos de bullying e cyberbullying no ambiente escolar impõe aos pais e educadores nova forma de orientar e conscientizar as crianças e adolescentes do Século XXI. Em formas que podem evitar, além dos danos causados às vítimas, grandes prejuízos financeiros aos envolvidos nestas práticas criminosas.
*Especialista em Direito Digital e fundadora do SLM Advogados, idealizadora do Programa jurídico-educacional Proteja-se dos Prejuízos do Cyberbullying e autora do livro Comentários à Lei do Bullying nº 13.185/2015
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