Haviam se passado horas do assassinato do delator do PCC Antônio Vinicius Gritzbach, quando policiais militares - agora presos por suposto envolvimento com a emboscada no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos -, compareciam à Corregedoria da corporação, no centro de São Paulo, para um primeiro depoimento sobre o caso. Nas oitivas, os detalhes sobre a escolta que foi, no mínimo, driblada no dia 8 de novembro do ano passado: a logística, a rotina, os valores, a escala.
Os relatos indicam que a escolta de Gritzbach, por PMs, nasceu em uma tabacaria e com uma ‘amizade de infância’. Os pagamentos eram feitos por Pix ou em dinheiro, por um tenente que organizava as escalas e ganhava uma comissão para isso, ou por um policial civil. No condomínio do delator, os policiais descansavam na sala de convivência de funcionários. A rotina dos PMs incluía idas à casa da mãe dos filhos de Gritzbach, ao shopping e ao estádio de futebol.

Os depoimentos foram colhidos nos dias 9 e 11 de novembro. Dois meses depois, na última quinta-feira, 16, a Corregedoria foi às ruas no encalço de 15 PMs supostamente ligados ao assassinato de Gritzbach.
Oito deles foram intimados a depor logo após o crime. Um ficou em silêncio. Os outros relataram a dinâmica da escolta da família do delator do PCC.
Sobre o dia do ataque no aeroporto, os depoimentos indicam passos dos PMs. Como eles levavam o filho do delator, de dez anos de idade, para recebê-lo. Pararam em um posto de gasolina para comer.
Giovanni de Oliveira Garcia, tenente
O oficial não trabalhou operacionalmente na escolta de Gritzbach, mas a organizava, segundo o depoimento de PMs - o que o militar nega. À Corregedoria, ele disse que conheceu o advogado do delator do PCC por ter o hobby de fumar charuto e frequentar a tabacaria, no centro de São Paulo. A tabacaria pertence ao advogado. O PM disse que tem um amigo de infância, Roberto, policial civil, que foi chamado para organizar a segurança de um cliente do advogado, o qual estava sendo ameaçado. O advogado teria dito que queria uma escolta de PMs já que não confiava em policiais civis.
Giovani então passou a indicar pessoas de sua confiança para o trabalho. Ele alegou que o amigo Roberto e o advogado de Gritzbach ficaram responsáveis por organizar a escolta, mas o depoimento dos PMs vai em outro sentido. A escolta seria para a família, vez que o delator do PCC teria um segurança civil chamado Danilo.
O PM relatou que ficou sabendo do status de Gritzbach em uma entrevista do advogado. Disse que ligou para o mesmo e fez perguntas. O defensor do delator teria dito que se tratava de uma pessoa que responde a alguns processos, que era investigado, sem condenações, e que confiava em sua inocência, vez que era colaborador do Ministério Público. O PM disse que confiou na palavra do advogado.
Segundo o tenente, a rotina era a seguinte: quando Gritzbach precisava de escolta, pedia ao advogado, que ligava para ele pedindo indicações e, então, este ligava para os militares para saber da disponibilidade. Ele começou a fazer as investigações no segundo semestre de 2023. O PM assumiu ter intermediado “algumas vezes” o pagamento dos colegas que faziam a escolta. Em razão da intermediação, ele recebia R$ 100 por policial indicado.
Giovani disse que, no dia em que Gritzbach foi morto, estava de férias. Pela manhã deixou sua namorada em uma exposição da Disney e depois voltou para casa. Passou o dia jogando videogame. À tarde, recebeu uma ligação de um dos PMs que faziam a escolta do delator, que somente lhe disse que “houve um atentado” e desligou. Ele narrou ter tentado entrar em contato com outros PMs, vez que ficou preocupado com a integridade física deles, mas não teve sucesso.
Leandro Ortiz
PM há 15 anos, lotado no 18º BPM, na zona Norte, Leandro era segurança particular dos filhos do delator - um menino de 10 anos e uma adolescente de 15 anos. Ele disse que começou a prestar o serviço em março de 2024, por intermédio de Garcia. Narrou que falava “pouco” com o delator, por Whatsapp, em mensagens breves, já que sua função era de segurança dos filhos.
Sobre o assassinato, Leandro alegou que soube do crime por meio do filho do empresário, que ligou para o policial dizendo: “tio, tá tendo tiro aqui”. Junto do menino estava um amigo, “jovem adulto”, e o soldado Marques.
Ele recebeu a ligação enquanto estava em um posto de combustível, próximo ao aeroporto, na Amarok branca que deu “pane de ignição”. Disse que estava pesquisando no Youtube como resolver o problema do carro quando recebeu a chamada. Junto dele estavam o soldado Chagas e o cabo Romarks, do 18.º Batalhão e do 23º Batalhão.
Antes de se dirigir ao posto, o PM relatou que havia levado a filha no cabeleireiro, junto com o soldado Chagas, na Amarok. Quando chegou ao posto, encontrou o cabo Romarks e o soldado Marques, que estavam com o filho do delator e o amigo. Logo em seguida, os quatro saíram em uma Trailblazer em direção ao aeroporto. Depois, enquanto comia na loja de conveniência com Chagas, recebeu uma ligação do motorista de Gritzbach, um civil, dizendo que já estava no desembarque, retirando as malas e estavam a caminho.
A função de Leandro era, em suas palavras, rumar para o aeroporto, na Amarok, e entregar o veículo a Danilo. Ele voltaria como passageiro na Blazer. No entanto, no posto, a Amarok deu pane na ignição. Ele ligou para Romarks e pediu apoio mecânico. Romarks retornou ao posto e o soldado Marques levou o filho de Gritzbach até o aeroporto.
Após a chamada do filho do delator, Leandro ligou para o motorista particular de Gritzbach, que, com voz de desespero, gritando, confirmou os disparos.
Para chegar a Guarulhos, o PM disse ter pegado uma carona, junto de Romarks e Chagas, com um funcionário do posto em um Ford Fiesta Sedan. Eles não conseguiram chegar, de carro, até o aeroporto, em razão da chuva e do trânsito. Desceram do carro e caminharam até o desembarque, onde ocorreu o fuzilamento de Gritzbach.
Então, o PM recebeu mais uma ligação do filho de Gritzbach, que dizia estar no posto de gasolina, somente com o amigo. Leandro, então, pediu que a dupla retornasse para o aeroporto. Lá esperaram a chegada da Polícia Civil e depois foram conduzidos ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa.
O policial disse ainda que, após o crime, o tenente Garcia entrou em contato. Leandro narrou que não teve condições de atender ao telefone.
Romarks Cesar Ferreira de Lima
PM há 10 anos, lotado no 23º BPM, Romarks disse que prestava serviço para a família de Gritzbach havia um ano - ou seja, desde novembro de 2023. Alegou que, em princípio, sabia que o empresário trabalhava no ramo de imóveis e só soube por meio de notícias que ele poderia estar envolvido com atividades ilícitas, lavagem de dinheiro, mas que não havia nada provado.
O PM também narrou que continuou fazendo a segurança particular, após saber das “possíveis irregularidades”, porque tem necessidades financeiras, “cujo salário de PM não supre”. Mas disse que não pretendia tornar a atividade um exercício regular. Também indicou que não havia condenação definitiva de Gritzbach e que os serviços eram prestados à sua família e não especificamente a ele.
Romarks relatou ainda que tinha contato com o delator apenas por telefone e que Gritzbach passava algumas atividades, como buscar seus filhos na escola ou levar sua filha ao cabeleireiro. Ele disse que ficou sabendo do crime através de Leandro e da ligação que este recebeu do filho de Gritzbach. Contou que era possível “observar o desespero”. No dia do crime estava fazendo a “função de auxiliar”, no posto de gasolina junto com Leandro.
Sua missão, no dia, era levar o filho do delator no aeroporto, uma missão transmitida por Garcia, na Trailblazer. Que pararam no posto de gasolina para fazerem uma refeição, vez que estavam adiantados em relação ao horário do voo - Gritzbach voltava de viagem a Maceió.
Narrou que tinha apenas o contato do menino e de Leandro.
Romarks confirmou a versão do colega. Segundo diz, tentaram corrigir a pane do Amarok vendo vídeos tutoriais e trocando a bateria de seu controle particular com a chave da Amarok. Também disse que foi até o aeroporto, após saber do crime, tendo dificuldade para chegar em razão do trânsito. Ele ressaltou que se encontrou com o filho da vítima - que havia retornado do posto de gasolina. Então embarcaram na Trailblazer e foram até o local dos fatos, mas não tiveram acesso ao corpo.
Romark estava armado no dia do crime, com seu revólver particular. A arma não foi apreendida pelo DHPP.
Jefferson Silva Marques
Com nove anos de PM, no 18º BPM, Jefferson começou a prestar serviços para a família de Gritzbach um mês e meio antes do assassinato, “esporadicamente”. Ele disse à Corregedoria que era a primeira vez que trabalhava como segurança.
Sobre o contato com o empresário, Jefferson disse que trocava mensagens breves, pelo Whatsapp, pois era segurança do filho. Durante o mês de trabalho como segurança, ouviu dizer que Gritzbach já havia sido preso e respondeu a processo, “mas não se aprofundou”. Disse que sabia que o delator respondeu a processo e não que estava sendo investigado e, “por isso continuou” a exercer a atividade de segurança particular.
Jefferson estava na SUV junto do filho de Gritzbach e o “sobrinho”, quando “ouviu barulhos à frente, com muitas pessoas correndo, veículos dando ré e percebeu que tratava-se de disparos e poderia ser o Vinícius”. No dia, sua função era de motorista particular do menino de 10 anos.
Ele pegou o menino na casa do pai no Tatuapé para leva-lo para recepcionar o empresário. Disse que não viu o ataque porque estava parado com o carro na fila de desembarque, como “último carro”, logo na entrada principal. Disse que, naquele dia, não estava armado porque havia passado por consulta médica e no hospital não poderia entrar com a pistola. “Em razão do tempo exíguo, foi direto ao serviço de segurança particular desarmado”
Samuel Tillvitz da Luz
Policial militar há nove anos, no 18º BPM, Samuel prestava serviços para Gritzbach há um ano, atuando como segurança do filho e da namorada do delator. Disse que, durante o período em que trabalhou para a família, não teve conhecimento do envolvimento do delator com atividades ilícitas. Ele disse que não tinha relação com o empresário e a família, somente com o filho de 10 anos.
Na data do crime, o PM estava voltando de Maceió com o empresário e a namorada, no mesmo voo. Assim que o avião pousou, ligou para o motorista Danilo, que avisou que “a equipe já estava em solo e a área estava segura”. Eles desembarcaram, atravessaram a porta de vidro do aeroporto e Samuel então se colocou à frente do casal.
Caminhavam em direção ao motorista quando o PM ouviu os disparos de arma e viu o algoz de Gritzbach. Ele então narrou ter se abrigado atrás de um ônibus e depois correu, “subindo por um barranco e acessando a via que dá acesso ao andar superior do aeroporto”. Cinco minutos depois encontrou a namorada do delator no térreo.
A Corregedoria perguntou porque ele não reagiu aos disparos em defesa do casal. O PM respondeu: “Como não tinha consciência dos envolvidos e número de disparos, entendeu estar em desvantagem e decidiu por proteger a sua própria vida e, embora Danilo estivesse no seu campo de visão ele não portava arma de fogo logo não teria apoio.”
Quando encontrou a namorada de Gritzbach, decidiu chamar um táxi e levá-la para casa de amigos e familiares em razão do “estado de abalo” que a moça se encontrava. Depois, voltou ao aeroporto e foi conversar com a delegada do caso.
Sobre a ida a Maceió, o PM disse que o objetivo da viagem do casal era a “procura de casas de aluguel para temporada de final de ano”. Eles ficaram sete dias em uma pousada em Porto das Pedras, no litoral alagoano, com Danilo.
Talles Rodrigues Ribeiro
PM apontado como o primeiro elo do inquérito de vazamento de dados por policiais a criminosos do PCC, Talles disse à Corregedoria que foi convidado para a escolta de Gritzbach um ano antes do assassinato, a convite de Garcia e por intermédio do advogado do delator. Desde então atua na segurança dos filhos do empresário.
Relatou que, em raras ocasiões, teve contato com o delator, somente quando estava com os filhos. “Tinha receio de ficar em público, por temer pela sua vida.” O PM diz ter tomado conhecimento de que Gritzbach havia sofrido um atentado na sacada de seu prédio.
O policial afirma que, na ocasião, ao tomar conhecimento que o empresário era supostamente ligado ao PCC, interpelou Garcia, que lhe disse ter entrado em contato com o advogado que ratificou que seu cliente “era inocente e estava sendo falsamente imputado pela mídia’”. Por isso, o PM escolheu continuar na escolta da família - as quais fazia em todas as suas folgas da escala 12x36.
Sua função era levar e buscar as crianças na escola, na casa da mãe, ir ao shopping, estádio de futebol, acompanhando a rotina dos filhos de Gritzbach. Era pago em Pix ou em dinheiro, ou por Garcia ou por um policial civil. Recebia R$ 400 por dia. Disse que nunca atuou especificamente na escolta de Gritzbach, sempre com os filhos, ex-mulher ou namorada.
Talles contou sobre o episódio em que foi flagrado com o colega Alef na escolta de Gritzbach. Foi em março do ano passado, quando um advogado de Gritzbach o chamou para escoltar o empresário até o Fórum da Barra Funda. Samuel também participou da diligência. O advogado e o delator foram na Amarok e os militares na Trailblazer.
Quando os PMs estavam saindo, um deles, em serviço, integrante da Assessoria Policial Militar do Tribunal de Justiça de São Paulo, abordou o veículo. Ele perguntou o que os PMs estavam fazendo no local, que responderam que estavam em uma escolta. Ainda assim o trio teve que mostrar suas carteiras funcionais. No mesmo dia, o evento repercutiu no batalhão, mas não foi chamado por seu comandante direto.
No dia em que Gritzbach foi morto, Talles não fazia parte da escolta porque estava de serviço na PM. Ele comentou sobre as panes na Amarok. Disse que, em um grupo de WhatsApp da equipe, ouviu que o veículo deu pane com outros militares. Segundo ele a SUV também já apresentou falha, perdia força e “morria”. Segundo ele, os próprios militares eram responsáveis pela manutenção dos veículos
Alef de Oliveira Moura
Também sob suspeita antes mesmo da morte de Gritzbach, Alef disse à Corregedoria que começou a trabalhar para o delator do PCC em agosto de 2023, quando atuava na Rota, batalhão de elite da PM paulista. Ele foi convidado por Garcia, em uma ligação, para fazer escolta contratado por um advogado, para a família de um de seus clientes.
Prestava o serviço praticamente em todas as suas folgas. Sobre a sua função, a resposta foi semelhante à de Thalles - era o motorista e levava e buscava as crianças na escola, na casa da mãe e shopping, acompanhando a rotina dos filhos. Também ganhava R$ 400 por dia.
Alef narrou que somente em 2024, após ver uma reportagem sobre Gritzbach, interpelou Garcia sobre o ‘VIP’. Garcia teria entrado em contato com o advogado do delator, que conversou pessoalmente com o tenente e Alef. Na ocasião, o advogado disse que seu cliente estava sendo investigado, mas era inocente e não havia condenação transitada em julgado. Segundo Alef, o advogado falou que o cliente não tinha ligação com o PCC e era apenas um empresário do ramo imobiliário.
O PM confirmou, no depoimento, a versão do colega Talles sobre o dia em que foram flagrados fazendo a escolta de Gritzbach no Fórum da Barra Funda. No entanto, para Alef, o flagrante teria tido um custo - ele foi afastado de suas funções e ficado na guarda. Seu comandante direto o cobrou sobre a escolta e disse que ia transferí-lo.
Depois, saiu de férias e, quando voltou, foi transferido para o 18.º BPM. Ele narrou que a escolta era para o advogado e que somente soube da presença de Gritzbach no carro quando chegou ao fórum.
No dia em que Gritzbach foi morto, o PM estava de serviço na corporação. No entanto, ele comentou sobre a escolta. Disse que os militares usavam apenas a Trailblazer e que a Amarock era de uso pessoal de Gritzbach.
O PM disse que a família comprou um Corolla para levar as crianças na escola. Segundo ele, a Amarok nunca tinha dado pane em suas mãos, mas ele teve conhecimento de problemas no veículo com outros militares.