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Corrupção se alastrou no País porque prisão não é regra, diz Moro

Ao deflagrar Operação Abismo, que pegou ex-tesoureiro do PT, juiz alerta que falta de 'medidas mais sérias é causa provável' dos malfeitos em série; ' nada pior para a democracia do que um político desonesto'

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Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo

Sérgio Moro. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, defendeu vigorosamente a necessidade da prisão preventiva como instrumento para coibir a corrupção. Para o magistrado, os malfeitos em série se tornaram rotina no País porque poucas vezes foram decretadas prisões em caráter preventivo dos investigados.

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"Embora o Judiciário seja o guardião das liberdades fundamentais, também tem o dever de proteger vítimas de crimes, indivíduos e toda a sociedade, da reiteração delitiva, máxime em um quadro, em cognição sumária, grave de corrupção sistêmica", escreveu Moro no despacho em que autorizou a Operação Abismo, 31.º desdobramento da Lava Jato, que pegou o ex-tesoureiro do PT Paulo Ferreira.

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"É possível, aliás, afirmar que uma das causas prováveis do agravamento e da proliferação de práticas corruptas entre nós tenha sido a falta de tomada, como regra geral, de medidas mais sérias para preveni­las, entre elas a prisão preventiva, quando presentes boas provas de autoria e materialidade de condutas criminais graves, para impedir reiteração criminosa", alertou o juiz.

As palavras de Moro batem de frente com o discurso reiterado de alguns dos maiores e mais respeitados criminalistas do País, advogados que veem 'excessos' do Judiciário desde que a Lava Jato explodiu, em março de 2014.

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Moro é taxativo. "Excepcional no presente caso não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada pelos processos na Operação Lavajato, com prejuízos já assumidos de cerca de seis bilhões de reais somente pela Petrobrás e a possibilidade, segundo investigações em curso no Supremo Tribunal Federal, de que os desvios tenham sido utilizados para pagamento de propina a dezenas de parlamentares, comprometendo a própria qualidade de nossa democracia."

Para o juiz da Lava Jato, a manutenção de Paulo Ferreira em liberdade 'ainda oferece um risco também especial considerando a sua atividade política'.

"Paulo Adalberto Alves Ferreira tem longa vida política. Consta que participou da organização de eleições desde 1982, e entre 2003 a 2010 exerceu diversos cargos relevantes na estrutura do Partido dos Trabalhadores, inclusive Secretário de Finanças de 2005 a 2010", assinala Sérgio Moro.

O juiz da Lava Jato aponta para 'risco à sociedade' com Paulo Ferreira solto. "Também exerceu o mandato de deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores entre 14 de março de 2012 a 17 de março de 2014, na condição de suplente. E mesmo atualmente sem mandato, não se pode dizer que não tem mais influência ou poder político, considerando sua permanência nas estruturas partidárias e seu histórico político desde 1982, bem como a relevância dos cargos que já exerceu, incluindo o de Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores. Mas, mais do que isso, apesar de não ter sido reeleito para a legislatura iniciada em 2015, obteve a posição de suplente, havendo risco para a sociedade de que circunstancialmente volte a exercer o mandato de parlamentar federal."

"Não é uma hipótese remota considerando que, recentemente, este Juízo foi consultado a respeito da possibilidade de que preso anterior da assim denominada Operação Lava Jato assumisse mandato parlamentar, já que detinha antes da prisão preventiva a condição de suplente", argumentou o juiz.

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Para Moro é 'inaceitável que agentes políticos em relação aos quais existam graves indícios de envolvimento em crimes contra a Administração Pública e lavagem de dinheiro permaneçam na vida pública sem consequências'.

"Como dinheiro é poder e o domínio político é competitivo, políticos desonestos, por terem condições de contar com recursos criminosos, possuem uma vantagem comparativa em relação aos probos", ponderou o magistrado. "Se não houver reação institucional, há risco concreto do progressivo predomínio dos criminosos nas instituições públicas, com o comprometimento do próprio sistema democrático."

Na avaliação de Sérgio Moro, 'o correto seria que as próprias instituições políticas ou as próprias estruturas partidárias resolvessem essas questões'.

"Não sendo este o caso, necessária infelizmente a intervenção do Poder Judiciário para poupar a sociedade do risco oferecido pela perpetuação na vida pública do agente político criminoso, máxime quando há possibilidade de que este volte, circunstancialmente, a assumir mandato parlamentar. Nada pior para a democracia do que um político desonesto."

Para Moro, o fato de Ferreiral não exercer no momento mandato parlamentar 'não elide o risco à ordem pública, pois além da probabilidade de retorno, já que suplente, não consta que ele abandonou a vida pública, sendo também de se destacar que o produto dos crimes não foi recuperado e foi submetido, em princípio, a esquemas sofisticados de lavagem, servindo a prisão cautelar para prevenir que seja submetido a novas operações de ocultação e dissimulação'.

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"O apelo à ordem pública, seja para prevenir novos crimes, afastando o político improbo da vida pública, seja em decorrência de gravidade em concreto dos crimes praticados, é suficiente para justificar a decretação da preventiva", destacou o magistrado.

"Presentes, portanto, não só os pressupostos da prisão preventiva, boa prova de materialidade e de autoria, mas igualmente o fundamento, risco à ordem pública e de reiteração criminosa, defiro o requerimento do Ministério Público Federal para decretar a prisão preventiva de Paulo Adalberto Alves Ferreira."

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