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Covid-19: requisição administrativa de produtos médicos gera insegurança jurídica

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Por Rubens Granja, Tatiana Gualberto Kascher e Giovanna Pasquini Malfatti
Atualização:

Rubens Granja, Tatiana Gualberto Kascher e Giovanna Pasquini Malfatti. FOTOS: ÉDI PEREIRA Foto: Estadão

Nos últimos dias, com o avanço da pandemia da covid-19, tem se notado uma movimentação de diversos países no sentido de garantir a proteção do abastecimento interno de Produtos Individuais de Proteção (EPIs) e outros produtos essenciais ao combate do novo coronavírus, tais como ventiladores pulmonares.

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A título de exemplo, nos Estados Unidos, o Presidente Donald Trump proibiu empresas americanas de exportarem EPIs cruciais para o combate à covid-19, para que os hospitais locais tenham equipamentos suficientes para o combate da pandemia. A medida foi fundamentada no "Defense Production Act" (Lei de Defesa da Produção), lei publicada em 1950 como resposta às necessidades da produção na época da Guerra da Coreia.

A França, por sua vez, publicou recentemente o Decreto nº 2020-293, que estabelece as medidas gerais necessárias para enfrentar a epidemia da covid-19. Dentre as medidas previstas na norma, destaca-se a possibilidade de o Estado requisitar diversos produtos e serviços, como, por exemplo, máscaras e outros EPIs, matérias primas para fabricação de máscaras, aeronaves civis e funcionários necessários para seu funcionamento, estabelecimentos para armazenamento de EPIs, entre outros.

O Brasil também tem adotado medidas a fim de garantir a proteção do abastecimento interno de EPIs e outros produtos essenciais ao combate do novo coronavírus. Editada para estabelecer as regras ao enfrentamento da epidemia causada pela covid-19, a Lei nº 13.979/2020 atribui competência concorrente para que autoridades Federais, Estaduais e Municipais realizem requisições administrativas de bens e serviços. Em breve síntese, essa disposição legal, que tem fundamento na Constituição Federal e foi replicada em diversos decretos Estaduais e Municipais, formalmente autoriza as autoridades administrativas a requisitarem produtos e serviços utilizados no tratamento do novo coronavírus, sem que sejam necessárias a aceitação do particular e a prévia intervenção do poder judiciário, desde que seja garantido o pagamento posterior de indenização justa.

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Conforme prevê o art. 3º, inc. VII e § 1º da Lei nº 13.979/2020, a requisição administrativa deveria ser utilizada na extensão e abrangência exata para atender à finalidade pretendida, i.e. a proteção da coletividade, limitada ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública, e determinada com base em "evidências científicas" e "em análise sobre as informações estratégicas em saúde". Além disso, por restringir direitos fundamentais de propriedade e de livre iniciativa, a requisição administrativa deveria ser compreendida como uma medida excepcional e adotada por meio de ato administrativo formal. Ainda, por ser uma atribuição de competência concorrente, há quem argua que as requisições administrativas, realizadas em razão da pandemia da covid-19, deveriam ser coordenadas pelo Ministério da Saúde.

Contudo, não é isto que tem sido verificado na prática. Têm sido frequentes os relatos de requisições administrativas realizadas sem critérios claros, desprovidas de formalidades, de forma desordenada e sem levar em conta a necessidade de outros entes da administração pública e da esfera privada. Tais requisições, que vêm causando enorme insegurança jurídica aos fornecedores e consumidores de EPIs e de outros produtos necessários ao combate do novo coronavírus, podem, potencialmente, comprometer o abastecimento de hospitais públicos e privados, colocando a coletividade em risco.

Como consequência dessas ações, tem-se verificado uma crescente judicialização da matéria. Por exemplo, em 31.3.2020 a Confederação Nacional de Saúde ("CNS") acionou o Supremo Tribunal Federal ("STF"), por meio da ADI 6362. Nessa ação, o CNS solicita que o STF determine, em sede liminar, (i) que todas as requisições administrativas realizadas sob a luz da Lei nº 13.979/2020 sejam submetidas ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde, (ii) a imediata suspensão da eficácia dos atos de requisição administrativa realizados por gestores de saúde estaduais ou municipais que não tenham sido submetidos ao prévio exame e autorização do Ministério da Saúde, e (iii) que, para serem tidas como constitucionais, as requisições administrativas sejam precedidas da prévia oitiva do requisitado, fundamentadas de forma explícita, e realizadas com proporcionalidade, especialmente para que não inviabilize os negócios da empresa requisitada e a prestação de serviço de saúde por parte de instituição que tenha previamente adquirido os mesmos bens. A ADI 6362 aguarda manifestação da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República e, após, seguirá para julgamento.

Em que pese a falta de decisão dos processos que julgam as requisições administrativas realizadas sob a luz da Lei nº 13.979/2020, e de uma determinação no sentido de que o Ministério da Saúde deva realizar o prévio exame dessas medidas, parece claro que, quando desprovidas de critérios e formalidades, e sem levar em conta a necessidade de outros entes da administração pública e da esfera privada, as requisições administrativas poderão caracterizar abuso de poder e, como tal, ser consideradas inválidas.

De toda forma, espera-se que o iminente posicionamento do STF acerca do tema possa oferecer maior segurança jurídica ao tema, delimitando o instituto da requisição administrativa e oferecendo critérios claros para a sua aplicação em tempos de estado de calamidade.

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*Rubens Granja, sócio do escritório Kestener, Granja & Vieira advogados; Tatiana Gualberto Kascher, advogada do escritório Kestener, Granja & Vieira advogados; Giovanna Pasquini Malfatti, advogada do escritório Kestener, Granja & Vieira advogados

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