No dia 18 de julho deste ano entrou em vigor o decreto n° 11.129/2022, substituindo o decreto anterior que estava há mais de sete anos sem atualizações (n° 8.420/2015), a fim de regulamentar novas aplicações nos programas de compliance, assim como a responsabilização objetiva administrativa e civil pela prática de atos contra a administração pública, nacional e estrangeira, amplamente abordado nos termos da lei n° 12.846/2013, conhecida como Lei de Anticorrupção.
O novo decreto que rege o tema - agora com a presença de 71 dispositivos substituindo o anterior com 53 -, fortalece procedimentos e ferramentas instauradas com a Lei de Anticorrupção, apresentando mudanças de suma importância para efetividade do programa de integridade implantados nas companhias.
Antes de adentrarmos nas principais mudanças trazidas pela vigência do novo decreto, oportuno registrar que as determinações possuem aplicação imediata, inclusive, nos Processos Administrativos de Responsabilização (PAR) e Acordos de Leniência em curso, sendo resguardos os atos praticados antes da sua vigência, conforme dispõe a redação do artigo 69 do referido decreto.
O novo decreto aumenta o rol de diligências que poderão ser realizada pela autoridade que está conduzindo a investigação preliminar e/ou os processos administrativos de responsabilização (PAR), a fim de obter provas e apurar os fatos objeto do processo, sendo elas: acesso as informações bancárias sobre as movimentações de recursos públicos, ainda que estas sejam consideradas informações sigilosas; acesso as informações fiscais da pessoa jurídica investigada; solicitação de documentos sobre a pessoa física e jurídica objeto da investigação.
Superada as considerações acerca das mudanças no rol de diligências nos PAR's, o presente artigo irá adentrar no tema ao qual se destina: Quais as principais mudanças serão aplicadas nos programas de compliance nas empresas com a vigência do novo decreto?
Preliminarmente, observa-se que o novo decreto aumenta o protagonismo dos programas de compliance nas companhias, e, a partir de então, é recomendado a observância dos parâmetros mencionados no artigo 57, para avaliar a sua qualidade e efeitos internos e externos.
O novo inciso I do referido dispositivo aperfeiçoa a redação anterior, na qual afirma que um bom programa de compliance deve conter o comprometimento da alta direção da pessoa jurídica e dos seus conselhos, devendo ser evidenciado o apoio visível e inequívoco ao programa, assim como destinar recursos adequados. Tal prática é conhecida como "tone at the top" que em português significa "exemplo que vem de cima".
Esta nova regulamentação já havia sido amplamente mencionada nas cartilhas publicadas pela CGU (Controladoria Geral da União), mas agora passam a constar como regulamentação sobre o tema. Logo, a alta administração além de prestar o apoio aos programas, precisa também apresentar meios para que ele seja efetivo como, por exemplo, disponibilizar bujet para contratação de investigação externas em demandas que se fizerem necessárias, não se limitar a confecção e publicação do código de conduta nas plataformas das multinacionais, mas torná-lo compreensível e traduzido para compreensão de todos os colaboradores da empresa.
Nota-se que o "recurso" ora disposto no inciso não se restringe apenas a questões orçamentárias, mas abrange também os meios tecnológicos e pessoais, contemplando uma estrutura eficaz da área que exerce as funções do compliance.
O inciso IV deste mesmo artigo acrescenta duas ferramentas importantes para a consolidação da cultura dentro de uma organização: comunicação e treinamento periódico. Entende-se como boa prática empresarial, a companhia que investe e promove a comunicação assertiva dos valores e princípios instituídos em suas atividades empresariais, devendo ser replicada periodicamente nas dependências internas, como forma de disseminação constante sobre os temas considerados relevantes.
No contexto atual, com o avanço exponencial da tecnologia, ou meios digitais como a internet podem ser considerados ferramentas essenciais para a consolidação da cultura em todo o ambiente empresarial, seja para as empresas que possuem atuação de profissionais no campo, atuação de colaboradores em outros países, assim como também para aquelas que possuem apenas o regime de home office.
Ou seja, utilizar-se dos meios digitais para publicação e apresentação do código de conduta, promover lives internas para esclarecimentos de dúvidas acerca das normas e exigências requeridas pela companhia, são formas de levar a informação e comunicação para todos aqueles que estão regidos pelas normas da entidade empresarial.
A consolidação das premissas culturais da empresa também é realizada por meio da divulgação constante dos lembretes morais, a representatividade das datas comemorativas inclusivas para a empresa como, a título exemplificativo, o dia mundial do meio ambiente; dia nacional do combate ao assédio moral; dia internacional da ética; dia internacional pela eliminação da discriminação racial; dia nacional à prevenção a lavagem de dinheiro, dentre outros.
Datas comemorativas na empresa contribuem para a consolidação do sentimento de pertencimento dos colaboradores, engajamento e posicionamento perante a responsabilidade social no âmbito corporativo. Sendo assim, além de promover a conscientização dos funcionários acerca da cultura defendida pela empresa, demonstra o quanto a organização se importa com o seu capital humano.
Noutro giro, no tocante aos canais de denúncias, muito embora eles sejam considerados como uma ferramenta bastante utilizada nos programas de compliance, o novo decreto, no inciso X do mesmo artigo, defende que estes canais devem ser abertos e amplamente divulgados nas companhias, tanto para os colaboradores e para terceiros, e complementa que é preciso obter mecanismos eficientes direcionados a investigação das denúncias, assim como a anonimização do denunciante de boa-fé.
Entende-se, portanto, que o novo texto ressalta que não basta apenas obter um canal de denúncia ativo e disponibilizado para os integrantes da empresa e terceiros, mas é suma importância que sejam adotadas medidas assertivas e necessárias para a apuração dos fatos relatados pelos denunciantes, bem como a garantia de preservação da sua identidade.
Outro ponto que merece destaque versa sobre as normas no toante a Due Diligence, alterado pelo inciso XIII do novo decreto. O termo due diligence, que em português significa "diligência prévia" trata-se de um estudo/avaliação sob a perspectiva de diversos fatores, com a finalidade de avaliar possíveis riscos para a entidade empresarial. Com o novo texto de lei, a due diligence passa a valer não apenas para os prestadores de serviços, fornecedores e agentes intermediários, mas também para os despachantes, consultores, representantes comerciais, parceiros jurídicos e associados.
O decreto expande a realização da due diligence para as pessoas politicamente exposta (PEP), seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas na qual este participe, como expõe a alínea "a" do mesmo dispositivo. Por fim, não menos importante, a redação legal inclui a necessidade de realização das diligências prévias na realização e supervisão de patrocínios e doações.
É sabido que a due diligence é uma ferramenta bastante eficaz na identificação de eventuais riscos exposto as companhias, no entanto, ao longo dos últimos anos, muito se questionam sobre a observância apenas com a execução do procedimento, mas não com a sua eficácia, resultado de programas de compliance mal estruturados que se preocupam apenas com a formalidade e não com os resultados alcançados.
Posto isso, a partir da observância das novas normas contidas no novo decreto e descritas no presente texto, nota-se que as mudanças prezam justamente pela efetividade da execução desta ferramenta, expandindo a análise de riscos, não apenas na aparência, mas observando, de fato, a sua essencialidade, principalmente na contratação de serviços essenciais para interação/comunicação com o poder público.
Logo, estima-se que a execução das diligências nesta nova formatação promoverá resultados mais assertivos no que concerne a análise da integridade nos momentos das contratações, principalmente no tocante as relações de prestação de serviços como, por exemplo, escritórios de advocacia, contabilidade, entre outros.
Nesta senda, superada a avaliação dos pontos importantes das novas alterações normativas, é possível concluir que as expectativas esperadas pelos bons programas de compliance passam a se tornar regra com a vigência do decreto n° 11.129/2022, razão pela qual demonstra-se o avanço normativo e prático no âmbito empresarial.
Este entendimento é expressamente indicado no texto do dispositivo 56, inciso I, do mencionado decreto, quando enaltece as finalidades no desenvolvimento e aplicação efetiva destes programas multidisciplinar nas companhias, por meio da prevenção, detecção e saneamento de desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Neste contexto, a nova redação, em diversos momentos, transmite a mensagem cristalina de que a implantação do compliance deve garantir prevenir, detectar, assim como solucionar as irregularidades localizadas, tornando incontroversa ao público ao qual se destina.
Posto os pontos fartamente esposados no presente artigo, indubitavelmente, as novas disposições legais consolidaram os programas de compliance às normas internacionais de conformidade apresentadas nas ISSO 37301 (sistema de gestão de compliance) e ISO 37001 (sistema de gestão de antissuborno). Todavia, não se pode perder de vista que as novas obrigações legais ratificam o que na prática já vem sendo apresentado nos programas de compliance de excelência.
O que muda, então, é a obrigatoriedade das novas regulamentações para aqueles que ainda não utilizavam as boas práticas corporativas e as suas ferramentas nos programas internos de conformidade. As alterações recaem ainda como forma palpável, inclusive, através do aumento do percentual de desconto da multa para as instituições que possuam programa de compliance assertivo e bem desenvolvido.
As expectativas é que as novas mudanças promovam ainda mais o crescimento e protagonismo dos programas de compliance, tornando-os cada vez mais efetivos e com resultados empresariais financeiros e reputacionais ainda mais palpáveis, promovendo a consolidação de companhias cada vez mais éticas no mundo empresarial. Este é o desejo que nós, atuantes da área, esperamos a partir de vigência do decreto 11.129/2022!
*Ana Paula Ribeiro Serra, advogada e consultora de Compliance, especialista em Direito Empresarial pela FGV, membro da comissão de compliance da OAB/BA
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