Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Julia Affonso e Fausto Macedo
A fase crucial da Operação Lava Jato, que mira deputados, senadores e até governador, faz crescer a expectativa sobre novas delações premiadas. Agora, são os políticos que poderão escolher o atalho da colaboração para evitar uma eventual ordem de prisão. Advogados de alguns alvos do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já admitem reservadamente essa possibilidade.
A investigação sobre o vasto esquema de corrupção e propinas na Petrobrás levou, por enquanto, doleiros, empresários e até um ex-diretor da Petrobrás a firmar compromisso de contar o que sabem. Ante o risco de passarem larga temporada atrás das grades 15 investigados romperam o silêncio e abriram a caixa de segredos do cartel que se apossou dos maiores contratos da estatal.
O ex-diretor, Paulo Roberto Costa (Abastecimento), e o doleiro Alberto Youssef, em seus relatos, apontaram envolvimento de parlamentares e autoridades do Executivo, o que fez a Lava Jato chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). O cenário mudou. No universo político a delação poderá ser adotada nessa etapa decisiva da Lava Jato.
Antes alvo de hostilidades de 10 entre 10 advogados de prestígio e tradição, o instituto da delação premiada praticamente tornou-se a regra no escândalo que abala a gigante estatal. Agora, alguns dos principais nomes da advocacia brasileira estão aderindo a esse expediente para garantir a liberdade de volta a seus clientes - pela via normal do direito processual, mergulhado em petições, habeas corpus e outros recursos, a vida está bastante difícil para os clientes, que não têm perspectiva de tão cedo sair da Custódia da Polícia Federal.

Dois altos executivos da Camargo Corrêa, há quase 115 dias presos, resolveram sair da trincheira do silêncio: Dalton Avancini e Eduardo Leite, que cumprem prisão preventiva desde 14 de novembro de 2014, quando foi deflagrada a Operação Juízo Final, sétima fase da Lava Jato. A empreiteira não participou das negociações
A colaboração dos dirigentes da construtora está sendo coordenada pelos criminalistas Pierpaolo Bottini e Marlos Arns. A defesa de Eduardo Leite, no processo criminal aberto contra ele por lavagem de dinheiro, corrupção ativa e organização criminosa, vai continuar sob responsabilidade do advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, reconhecido como expoente da advocacia criminal.
A primeira delação da Lava Jato foi feita pelo ex-diretor de Abastecimento. A criminalista Beatriz Catta Preta conduziu os depoimentos de Paulo Roberto Costa, entre agosto e setembro. A delação foi homologada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF). A primeira recompensa para o delator: prisão domiciliar. Já nessa ocasião, Catta Preta sofreu pesadas críticas de alguns de seus pares.
Ela não se curvou e outros alvos da Lava Jato a procuraram - na sequência, Augusto Mendonça e Julio Camargo, que agiam pela empreiteira Toyo Setal, e Pedro Barusco, ex-gerente de Engenharia da Diretoria de Serviços da Petrobrás, reduto do PT. Todos os três estão em liberdade, nem chegaram a ser detidos, dado o alto grau de colaboração a que se prestaram. Até nos autos da Lava Jato alguns advogados registraram inconformismo com o expediente da colaboração e a atuação célere da criminalista. Não pouparam reprimendas a esse tipo de conduta nem à advogada. Houve quem dissesse que os delatores teriam sido pressionados a falar.
Em audiência na Justiça Federal em Curitiba, base da Lava Jato, um advogado indagou de Paulo Roberto Costa se ele havia sofrido pressão para fazer delação. Ele disse que não. Perguntaram-lhe, então, quem havia sugerido a ele que fizesse a colaboração com a advogada Catta Preta. "Foi o dr. Nélio Machado", respondeu o ex-diretor, referindo-se ao advogado que o havia defendido antes.
Duas moedas. Analisando o momento mais agudo da Lava Jato, em que muitos outros advogados se renderam à importância da delação, a criminalista Beatriz Catta Preta declarou. "A recorrência ao argumento de que a delação seria antiética ou até um vício de caráter, como alguns costumam dizer e, agora, a participação em colaborações premiadas dos mesmos profissionais que antes criticavam o instituto, deixa claro: os posicionamentos contrários aos delatores e à delação em si, repetidos incontáveis vezes nos últimos meses, são dois pesos e duas medidas."
Catta Preta conclui: "Duas moedas usadas, conforme o interesse do momento e de acordo com a conveniência de cada um." O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, crítico da delação, disse. "Pessoalmente eu entendo que o instituto da delação foge por completo das tradições do sistema processual penal brasileiro, devendo por isso passar por uma fase de maturação para que receba um regramento que impeça a sua má utilização como vem ocorrendo presentemente."
Mariz de Oliveira é taxativo. "Entendo que delação vem sendo utilizada porque ela foi transformada em verdadeira chave para abrir cadeia isso porque está sendo utilizada para forçar a delação numa conduta verdadeiramente deplorável, assemelhada em tudo à tortura."
O advogado Pierpaolo Bottini, que representa Dalton Avancini, da Camargo Corrêa, disse que "a colaboração é mais um instrumento de defesa que pode ser levado em consideração na estratégia processual, desde que o advogado advirta o cliente de sua gravidade e de suas consequências".