
No dia 9 de dezembro de 2003, a Assembleia-Geral da ONU aprovou a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, tornando essa data simbólica ao combate a esse mal que aflige, em alguma medida e desde sempre, toda humanidade.
Antes disso, a OEA já havia firmado a Convenção Interamericana Contra a Corrupção (1996) e a OCDE (1999) a sua Convenção Anticorrupção, lançando as sementes da cooperação internacional no combate a essa perniciosa modalidade delituosa, como a conhecemos hoje.
No Brasil, a história mostra que a corrupção é o grande obstáculo a ser vencido pela nossa nação para alcançar o nível de desenvolvimento e justiça social almejados e esperados em um país dotado de tantas riquezas.
Estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), feito em 2019, revela que a corrupção consumiu 8% da arrecadação do país naquele ano, ou seja, aproximadamente 160 bilhões de reais.
Esse valor seria suficiente, por exemplo: para cobrir os 139 bilhões de reais de déficit estimado para 2020; para gerar a economia desejada para em 10 anos com a reforma da previdência; e, caso preservado, para a quitação de todas dívidas do país em menos de 10 anos.
Desse modo, podemos afirmar que a corrupção tem determinado quem somos enquanto nação.
Mas, diante de um cenário aparentemente caótico e desesperador, encontramos o que comemorar com o avanço de mecanismos e instituições no combate a corrupção.
Medidas estruturantes, atendendo padrões internacionais, como a adoção e desenvolvimento de nossa Unidade de Inteligência Financeira - UIF, o COAF, com a difusão das informações por ela produzidas aos órgãos competentes; a criação e desenvolvimento de órgãos de controle, conferindo maior eficácia ao país na prevenção à corrupção e à lavagem de dinheiro; e a criação de um grande colegiado para o desenvolvimento de ações com vistas ao combate à corrupção, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro - ENCCLA, têm transformado nossa realidade.
Passamos a observar resultados em grandes operações, como o mensalão e a lava-jato, que devolveram não só vultosas quantias aos cofres públicos, mas, e principalmente, a esperança ao nosso povo.
De repente, a célebre frase de Luís Fernando Veríssimo: "Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores", que refletia a certeza da existência desse mal em grandes proporções e a nossa incredulidade com o seu combate, pareceu démodé e as reações do Estado aos atos lesivos aos seus cofres ganharam protagonismo nas discussões públicas, sejam no parlamento ou nas casas, calçadas, praças, etc.
Ingressamos em um ciclo virtuoso, com a inegável necessidade do Estado de investir em áreas sempre relegadas ao segundo plano, como as Polícias Judiciárias (Polícia Federal e Polícias Civis).
Difundiram-se tecnologias e conhecimentos, foram criadas estruturas especializadas, como a Rede-LAB, composta pelos laboratórios de lavagem de dinheiro nas Polícias Civis de todos os Estados, e a possibilidade de reversão do produto do crime de lavagem de dinheiro, consequente da corrupção, em investimentos nas instituições que a combatem.
Trilhando os caminhos inicialmente percorridos pela PF, as Polícias Civis já são hoje as maiores destinatárias de Relatórios de Inteligência Financeira do COAF. Muitas criaram órgãos especializados ao combate à corrupção.
No Distrito Federal, em 2018 foi criada a Coordenação de Combate à Corrupção, cujo status foi elevado em 2020 a Departamento. Como resultado, podemos observar a evolução, diretamente proporcional aos investimentos, de bens e valores apreendidos/bloqueados por essa unidade: 2018 - 480 mil reais; 2019 - 9 milhões; 2020 - 20 milhões.
Por conta dos inegáveis resultados desse sistema, que tem frustrado corruptos, vez por outra vemos tentativas de fragilizá-lo. A última, e que merece toda a atenção, é a tentativa de, sob o manto da proteção de dados, inviabilizar o compartilhamento de informação entre órgãos públicos, o que seria um grande golpe a todo esse esforço.
Assim, há esperança contra a corrupção no Brasil, mas, para tanto, precisamos manter o ciclo virtuoso existente. Sufoquemos os criminosos, não as instituições.
*Rafael Sampaio, delegado da Polícia Civil do DF, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Judiciária (ADPJ) e presidente do Sinpedo-DF (Sindicato dos Delegados do Distrito Federal)