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Opinião | Eficácia e transparência no repasse de recursos públicos: um sonho distante?

A transparência deve ser vista não apenas como uma obrigação legal, mas como uma estratégia de sustentabilidade para a sociedade civil organizada. Uma gestão que preza pela correta execução aumenta a confiança da população, dos financiadores e dos gestores públicos

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convidado
Por Iara Bastos Cavalcante

Quando o assunto é o uso de dinheiro público, as manchetes costumam destacar escândalos e desvios, frustrando as expectativas da população e tirando oportunidade daqueles que mais precisam do apoio do Estado. Neste cenário, a transparência na aplicação de recursos públicos aparece como uma necessidade fundamental para fortalecer a confiança entre governo e cidadão.

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É possível desenvolver projetos para as diversas áreas da sociedade, como saúde pública, sustentabilidade, atendimento a populações em situação de rua, acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica e eventos culturais, por exemplo, por meio de uma legislação simplificada, como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), que entrou em vigência em 2014 e modernizou as parcerias entre o poder público e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), reduzindo a burocracia no repasse de recursos públicos.

O MROSC regula instrumentos como os Termos de Fomento e de Colaboração, que permitem o investimento em projetos sociais de alto impacto. Focado em resultados, o marco facilita a implementação de políticas públicas ao valorizar a participação cidadã e a atuação da sociedade civil como parceira estratégica na solução de demandas sociais.

Em um país de dimensão continental, onde as demandas são enormes, as OSCs desempenham um papel estratégico na realização de políticas públicas, transformando recursos em resultados concretos para as comunidades mais vulneráveis.

Os Termos de Fomento, previstos no MROSC, são ferramentas essenciais para formalizar parcerias entre o poder público e as OSCs, viabilizando projetos de grande impacto social. Contudo, essa relação exige, ou deveria, uma contrapartida indispensável: a garantia de transparência total na gestão e na prestação de contas dos recursos aplicados.

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Se, por um lado, os Termos de Fomento representam avanços em termos de eficiência e inovação na gestão pública, por outro, trazem desafios consideráveis tanto para o Estado, quanto para as OSCs. Um dos principais é o cumprimento rigoroso das exigências legais relacionadas à prestação de contas, que vai muito além de uma formalidade. Não se trata apenas de um dever ético, mas também uma obrigação legal. Quando negligenciado, pode gerar sérios problemas jurídicos, perda de credibilidade e até inviabilizar futuras parcerias.

A transparência no uso de recursos públicos abrange várias etapas: a seleção das OSCs, feita por meio de editais claros e bem elaborados; o acompanhamento da execução do projeto; e, finalmente, a prestação de contas ao término da parceria. Cada uma das fases é interligada e requer cuidados específicos para evitar falhas que possam comprometer o objetivo principal: atender às necessidades da sociedade.

No caso dos Termos de Fomento, a prestação de contas não se resume a números. É essencial comprovar, com documentos robustos e bem organizados, que os recursos foram aplicados de acordo com o plano de trabalho aprovado. Isso inclui notas fiscais, recibos, contratos, relatórios de atividades e indicadores de impacto.

Porém, não basta entregar documentos. A análise da conformidade desses registros com as exigências legais é rigorosa, e qualquer inconsistência, mesmo que não intencional, pode gerar questionamentos, devoluções de recursos ou penalidades legais. Por isso, é indispensável que os atores envolvidos no processo estejam plenamente capacitados para atuar, de maneira que não existam prejuízos por desconhecimento da legislação.

Muitas OSCs enfrentam dificuldades para atender às exigências dos Termos de Fomento, da interpretação das cláusulas contratuais até a organização dos documentos necessários para a prestação de contas. Sem a orientação adequada, pequenos erros administrativos podem resultar em sanções graves, como a inclusão no Cadastro de Inadimplentes (Cadin) ou a proibição de firmar novas parcerias com o poder público.

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Para os gestores públicos, os riscos também são consideráveis. A falta de atenção aos detalhes na execução e fiscalização dos Termos de Fomento pode acarretar problemas de responsabilização, incluindo a atuação do Tribunal de Contas e do Ministério Público. Tanto para as OSCs quanto para o poder público, contratar profissionais capacitados para fornecer suporte jurídico e administrativo é um investimento necessário.

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A transparência deve ser vista não apenas como uma obrigação legal, mas também como uma estratégia de sustentabilidade para a sociedade civil organizada. Uma gestão que preza pela correta execução aumenta a confiança da população, dos financiadores e dos gestores públicos na organização, criando condições para a continuidade das parcerias e a ampliação do impacto social.

Para o poder público, o compromisso com a transparência e o acompanhamento rigoroso das parcerias reforça sua credibilidade, demonstrando responsabilidade no uso dos recursos da sociedade.

Por fim, as parcerias com a sociedade civil representam uma ferramenta inovadora e essencial para unir esforços ao Estado. Contudo, a eficácia depende de um compromisso irrestrito com a transparência e da capacitação técnica das partes envolvidas. Investir em treinamento, suporte especializado e boas práticas de gestão não apenas fortalece as parcerias, também garante a sustentabilidade de iniciativas transformadoras. Quando o poder público e a sociedade civil atuam em harmonia, a construção de um futuro mais justo e inclusivo deixa de ser apenas um ideal distante e passa a ser uma realidade alcançável.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Iara Bastos Cavalcante
Advogada com especialização em Direito Eleitoral e MBA em Políticas Públicas e Relações Institucionais. Foto: Inac/Divulgação
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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