
Em Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PT (ADI 5941), o STF reconheceu a constitucionalidade da previsão expressa no artigo 139, IV do CPC (Código de Processo Civil) que autoriza o juiz a proceder medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, tais como a apreensão de passaporte e de carteira de motorista do devedor - as chamadas "medidas atípicas".
O voto do Ministro Luiz Fux, que foi acompanhado pela maioria do Plenário, reconheceu a validade das medidas atípicas para assegurar o cumprimento de ordem judicial, ressalvadas proporcionalidade, razoabilidade e garantia dos direitos fundamentais do devedor. O posicionamento pela constitucionalidade das medidas também foi defendido pelo Advocacia-Geral da União.
A decisão possui grande relevância no âmbito social, já que um dos principais problemas que afetam a justiça é a concretização das decisões judiciais no mundo fenomênico. Se o juiz determina que o devedor construa uma casa, o ato depende apenas desse devedor, que, caso se recuse, enfrentará as consequências. A questão é que as medidas até então aplicadas envolviam essencialmente a aplicação de multa, e, por vezes, devedores deliberadamente descumpriam comandos judiciais e, depois, discutiam, por anos, a legalidade das multas impostas.
Na prática, o que se fazia era uma não-Justiça, já que os mecanismos então aplicados eram ineficazes para os fins a que se prestavam.
Então, o CPC de 2015 foi ainda mais claro do que a antiga legislação processual para determinar ser dever do juiz determinar todas as medidas necessárias para assegurar o cumprimento de decisão judicial. O legislador abriu um amplo leque de possibilidades para que o devedor fosse coagido a cumprir a decisão que, frise-se, por garantias constitucionais, é proferida por juiz investido, em processo que assegure o contraditório e a ampla defesa desse devedor. Com o amplo leque aberto deixado pela norma, juízes determinaram a apreensão de carteiras de motoristas e passaportes, além de suspender o direito de dirigir e cancelar cartões de crédito para assegurar o adimplemento do devedor.
Isso foi parar no STF, mas não sem antes ter sido analisado pelo STJ, a quem cumpre zelar pela aplicação da legislação federal, como é o CPC. A Terceira Turma do STJ, em julgamento do REsp 1.864.190, entendeu pela regularidade dos meios atípicos, bem como pelo caráter subsidiário desses atípicos meios em relação às medidas típicas de coerção, como a aplicação de multa. O STJ, então, restringia o alcance do dispositivo, que, agora, foi alargado - em nosso sentir, de maneira acertada - pelo STF.
Na prática, a vida de devedores em geral foi dificultada. Nada mais consentâneo com o império da lei, já que se a obrigação foi reconhecida, ainda que provisoriamente, por juiz, o devedor pode se defender, mas não descumprir o determinado. Os meios atípicos de execução são constitucionais e poderão ser utilizados desde que observados os pressupostos autorizadores da medida (a serem verificados caso a caso), além de resguardada a proporcionalidade, razoabilidade e garantia dos direitos fundamentais do devedor.
O devedor que se esconde, desvia seu patrimônio, age de maneira protelatório no processo, interpõe recursos descabidos agora terá contra si medidas mais efetivas para o forçarem a cumprir aquilo que é devido.
Isso tem impacto direto no ambiente de negócios. Rankings globais como o Doing Business, do Banco Mundial, avaliam a facilidade de pagamento de obrigações em determinado País. O Brasil não pode ser um país em que devedores se furtam ao cumprimento de suas obrigações, caso contrário os investimentos nesta Terra será mais escassos porquanto mais arriscados. Com a decisão do STF, ganha o Brasil em competitividade pelo ambiente de negócios global.
*Marco Antonio da Costa Sabino, sócio da área de Resoluções de Conflito, Mídia e Internet, Governança Corporativa e Compliance no escritório Mannrich e Vasconcelos, doutorado pela Universidade de São Paulo - USP, pós-doutorado pela Universidade de Coimbra e professor universitário
*Juliana Schewinsky, advogada na área de Resoluções de Conflito no escritório Mannrich e Vasconcelos e mestranda em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP