Nos últimos anos, o Brasil tem registrado uma redução expressiva nos homicídios. Em 2024, o país contabilizou 45 mil assassinatos, uma queda de 5,4% em relação ao ano anterior, segundo levantamento do InSight Crime (organização especializada no estudo do crime organizado e da violência na América Latina) no relatório 2024 Homicide Round-Up. Desde 2019, os índices de violência letal vêm diminuindo, indicando uma mudança no cenário da segurança pública. Mas quais fatores explicam essa tendência?
Uma das razões para essa queda pode estar na transformação do crime organizado. Com a consolidação territorial das facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), os conflitos internos que antes impulsionavam os homicídios diminuíram. Após anos de guerras sangrentas pelo controle do tráfico de drogas, esses grupos estabeleceram um equilíbrio de poder, reduzindo a violência letal em diversas regiões.
Outro fator relevante é a migração de criminosos para o cibercrime. O Brasil se tornou um dos países com os maiores índices de crimes digitais na América Latina. Golpes bancários, invasões de sistemas e fraudes financeiras têm crescido rapidamente, atraindo criminosos para atividades lucrativas e de menor risco em comparação com o tráfico e os assaltos violentos.
Não por acaso, segurança pública é a principal preocupação da população em todas as pesquisas qualitativas realizadas por políticos e organizações de interesse social. Esse tema aparece consistentemente como prioridade em diferentes segmentos da sociedade, o que explica por que, em ano eleitoral, todos os candidatos e pré-candidatos – nos âmbitos municipal, estadual e federal, seja para cargos majoritários ou proporcionais – colocam a segurança no centro de seus discursos e propostas. O eleitor quer respostas, e o tema se tornou indispensável para qualquer projeto político viável no Brasil.
No entanto, é fundamental que essa busca incessante por segurança não venha à custa dos direitos fundamentais dos cidadãos. O combate à criminalidade deve ser firme, mas equilibrado, respeitando as garantias mínimas da população e evitando abusos do Estado. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre a ação policial eficiente e o respeito aos princípios democráticos. Afinal, a segurança pública só será realmente eficaz quando, além de reduzir os índices criminais, garantir também que nenhum cidadão seja tratado como inimigo pelo próprio Estado.
Embora PCC e Comando Vermelho sejam as facções mais conhecidas e influentes, há indícios não confirmados de que o Brasil abriga hoje 72 facções criminosas diferentes, ou subfacções, cada uma operando em diferentes regiões e com distintos graus de poder e influência. E é justamente na disputa pelo varejo do crime, na ponta desse poder fragmentado e descentralizado, que ocorre a maioria dos homicídios. A rivalidade pelo controle de pontos de venda de drogas, cobranças de dívidas e conflitos internos entre esses grupos menores seguem sendo o principal motor da violência letal. Essa pulverização do crime organizado exige uma análise mais profunda e um acompanhamento rigoroso por parte das autoridades, pois pode impactar o cenário da violência nos próximos anos.
Mais do que um problema local, a criminalidade brasileira está inserida em um contexto global. Hoje, os três grandes mercados ilícitos que movem o crime organizado mundialmente são os tráficos de drogas, armas e pessoas. Essas atividades não só se retroalimentam, mas também só subsistem devido ao enorme volume de dinheiro envolvido. Nenhuma organização criminosa consegue operar sem um fluxo contínuo de recursos, e é por isso que a lavagem de dinheiro se tornou um dos pilares centrais da economia do crime. Daí a necessidade de um combate cada vez mais rigoroso e sofisticado à circulação do dinheiro ilícito, pois cortar essa fonte é um dos caminhos mais eficazes para enfraquecer o crime organizado.
Apesar da redução dos homicídios, desafios persistem. A violência policial continua elevada, e muitas regiões ainda enfrentam altos índices de letalidade. Além disso, a expansão das facções para novas áreas, como a Amazônia e o Nordeste, pode reconfigurar os padrões de criminalidade.
Para consolidar essa tendência de queda, o Brasil precisa investir em inteligência policial, prevenção social e combate ao crime digital e financeiro. O fortalecimento das instituições e a modernização das políticas de segurança são cruciais para garantir que essa redução da violência seja duradoura.
A queda dos homicídios é uma boa notícia, mas não significa que o problema da segurança pública esteja resolvido. O desafio agora é transformar essa redução em uma mudança estrutural e definitiva para o país.