A greve geral dos rodoviários ocorrida em 2018 gerou bloqueios em estradas, grandes filas de caminhões nos acessos a terminais logísticos e impactos diretos para o abastecimento. Além disso, escancarou ainda mais a dependência da logística nacional em relação a esse modal e a necessidade de desenvolvimento de alternativas.
A edição da lei das relicitações (Lei nº 13.448/17) e a mudança de governo ocorrida em 2018 foram um sopro de esperança para a solução do problema, já que um dos principais pontos da agenda econômica era o aumento da participação de agentes privados na execução de serviços públicos.
Diante das recentes notícias de uma nova paralisação dos rodoviários, a questão dos gargalos logísticos volta à tona e com ela a necessidade de expansão do transporte ferroviário, que atende dois requisitos considerados hoje imprescindíveis. O primeiro é o preço, já que o custo do transporte ferroviário é aproximadamente 50% inferior ao do rodoviário para distâncias superiores a 1.000 Km, impactando positivamente na competitividade dos produtos brasileiros no exterior ou mesmo beneficiando o mercado nacional com uma redução de preço ao consumidor final.
O segundo ponto, e que ganha cada vez mais força no mundo dos negócios, é a sustentabilidade ambiental, social e corporativa. Já há, inclusive, fundos que limitam a aplicação de recursos em projetos sustentáveis sob esses aspectos. Nesse sentido, o desenvolvimento do transporte ferroviário está em sintonia com essa diretriz, já que diminuiria a circulação de caminhões nas estradas, impactando diretamente na redução de poluentes.
Por isso, foi com bons olhos que se viu a prorrogação pelo prazo de 30 anos da concessão da Malha Paulista, detida pela Rumo Logística, e de duas ferrovias da Vale: a Vitória-Minas e a Carajás, que somam, além de aproximadamente R$ 15 bilhões em valor de outorga, quase R$ 19 bilhões em investimentos. Independentemente dos ganhos, a extensão dos contratos já teve reflexos na produção industrial, com o aumento do número de encomendas de locomotivas, vagões de carga e passageiros.
Além desses, o mercado ainda aguarda com ansiedade os desfechos de outras duas prorrogações: da Ferrovia Centro-Atlântica, administrada pela VLI, e da concessão gerida pela MRS Logística. Assim como as demais, ambas terão igualmente obrigatoriedade de investimento por parte das concessionárias, ajudando a impulsionar a indústria e contribuindo para a melhoria da logística.
Tão importante quanto as prorrogações de concessões, algumas delas com a previsão de investimento na construção de novos ramais, são os projetos de novas estradas de ferro que ampliarão a capacidade da malha. Dentre eles, destaca-se o da Ferrovia de Integração Oeste-Leste - FIOL (EF-334), ligando Ilhéus/BA a Figueirópolis/TO. A linha servirá tanto para escoamento de grãos provenientes do oeste baiano como de minérios extraídos no sul do estado. O leilão previsto para o dia 8 de abril prevê investimentos da ordem de R$ 5,5 bilhões, além do pagamento de uma outorga mínima.
Outra licitação prevista para este ano é a concessão da Ferrogrão (EF-170) por 69 anos, que fará a ligação entre o Centro-Oeste (SINOP/MT) e o estado do Pará (Miritituba). Além de permitir o escoamento da produção de grãos pelo porto de Santarém, a ferrovia consolida um corredor que tem como única via a BR-163. Pode-se imaginar o impacto relevante na competitividade dos grãos produzidos no Mato Grosso apenas constatando que, atualmente, essa produção é escoada pelos portos de Santos/SP e Paranaguá/PR.
Outro fator importante de atratividade para investidores dispostos a aportar R$ 8,4 bilhões é que a nova ferrovia atende à sustentabilidade, tendo em vista que não atravessa nenhuma unidade de conservação. Além disso, sendo paralela à BR-163, ainda funcionará como inibidor do desmatamento conhecido como "espinha de peixe", que ocorre perpendicularmente ao traçado das rodovias, e reduzirá o tráfego de caminhões em uma região delicada sob o ponto de vista ambiental.
O projeto da concessão da Ferrogrão ainda se mostra importante por colocar à prova uma novidade nas modelagens de concessão de ferrovias vistas até aqui. Num paralelo com o fundo garantidor previsto para as parcerias público-privadas, o modelo proposto para essa concessão prevê a formação de um fundo acessível pelo concessionário caso sejam verificados riscos não gerenciáveis do projeto, como, por exemplo, valores acima do estimado com compensações ambientais e desapropriações. Se aprovado o modelo, o fundo também poderá ser acessado caso haja queda da demanda ainda nos primeiros anos da concessão, quando o maior volume de investimentos invariavelmente pressiona os números do balanço para baixo.
Independentemente de ser um modal que demanda pesados investimentos e de ser de vital importância para o desenvolvimento da economia brasileira, o modelo utilizado na concessão da Ferrogrão pode servir de impulso para outros setores que demandam investimentos privados. Principalmente nos contratos de longo prazo, já se pode constatar que a partilha de riscos delineada em matrizes não é suficiente para prever todos os riscos que determinados projetos podem sofrer, muito menos para quantificá-los devidamente. A depender do resultado, o mecanismo poderá ser um importante marco para o desenvolvimento de novos projetos de grande porte.
Boa novidade em todos esses projetos é a possibilidade do operador utilizar a infraestrutura de outra ferrovia mediante pagamento (tráfego mútuo e direito de passagem), o que inclusive constitui fonte de receita acessória e significa mais um passo na direção da formação de uma verdadeira malha ferroviária nacional, que ainda precisa encaminhar uma solução sistêmica para as diferentes bitolas existentes na rede.
*Claudio Guerreiro e Claudio Pieruccetti são sócios do Vieira Rezende Advogados