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Opinião | Ganhar dinheiro e salvar o mundo

Ou salvamos o planeta, e com ele a espécie que se considera a única racional, ou pereceremos todos. E, se pudermos ganhar dinheiro salvando o mundo, esse é o melhor dos cenários que se poderia oferecer à cultura capitalista

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convidado
Por José Renato Nalini

O perigo aumenta a cada dia. Além de ignorar as verdades científicas, a humanidade prossegue em sua marcha de insensatez. Emite gases venenosos em escala crescente. Verdadeiro ecocídio, a premeditada opção por encerrar a aventura humana pelo planeta Terra.

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A esperança reside na atuação dos verdadeiros donos do mundo. Quem são eles? Os detentores de riqueza muito superior à da imensa maioria dos Estados. Estes, que eram os únicos titulares da soberania, aquele poder incontrastável de definir o rumo das gentes, perderam força e foram substituídos por grandes conglomerados econômicos.

São mais lúcidos do que os governantes de nações que continuam na contramão do que deveria ser feito e enxergam na descarbonização uma promissora oportunidade de ganhar mais dinheiro.

É confortador saber que, enquanto alguns chefes de Estado ficam imersos em questiúnculas corriqueiras, pessoas como Bill Gates, Jeff Bezos, Masayoshi Son, o fundador da Soft-Bank e o príncipe al-Waleed bin Talal, da Arábia Saudita, avaliavam investimentos conjuntos para fomentar empresas que combatem as mudanças climáticas.

Remover o dióxido de carbono da atmosfera é uma operação lucrativa. Tanto que as empresas voltadas a retirar esse gás venenoso, causador do efeito-estufa, do nosso ar empesteado e letal, arrecadaram mais de cinco bilhões de dólares desde 2018. O grupo liderado por Bill Gates se chama Breakthrough Energy Ventures e está entre os maiores apoiadores das mais de oitocentas empresas de remoção de carbono instaladas nos últimos anos.

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Prevê-se um crescimento exponencial dessa estratégia, porque no mundo civilizado, mais de mil grandes empresas já se comprometeram a eliminar suas emissões de carbono nas próximas décadas. Dentre elas, a Microsoft, a Google e a British Airways, que destinaram mais de um bilhão e seiscentos milhões de dólares – algo como quase dez bilhões de reais – para comprar créditos de remoção.

Oportunidade que o Brasil demorou a enxergar, no lenga-lenga da aprovação do mercado de carbono e que ainda está em gestação prolongada e cansativa, antes de operar em definitivo.

Basta comparar as cifras atuais com a ínfima quantia de um milhão de dólares destinada à mesma causa em 2019, para constatar a atratividade do mercado. Avaliações modestas acreditam que ele poderia valer até um trilhão e duzentos bilhões de dólares, ou seja, sete trilhões e quatrocentos bilhões de reais nas próximas décadas.

Não é dinheiro a se dispensar. Ao contrário, merece atenção da iniciativa privada, essa heroína que conseguiu sobreviver a um anacronismo estatal que parece nutrir ojeriza pelo lucro, embora a Constituição da República de 1988 consagre a livre iniciativa, que deve merecer incentivos do governo.

É óbvio que a compra de carbono é paliativo. O ideal seria eliminar o uso do petróleo, gás e carvão, que todos sabem ser a causa do aquecimento global, gerador das emergências climáticas e responsável por milhões de mortes em todo o planeta. All Gore, cofundador do Climate Trace, que mapeia as emissões globais de gases de efeito estufa, lembra que é preciso obedecer à primeira lei dos buracos: “Quando você está em um, pare de cavar!”.

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A humanidade, surda, aprofunda a cada momento o fosso que a levará à extinção. Por que a indústria dos créditos de carbono é um paliativo? Ela guarda analogia com a lei ecológica do “poluidor-pagador”. Em lugar de desestimular os que poluem, conduzem a um raciocínio raso: é mais barato pagar e continuar poluindo. Pois as sanções pecuniárias por infrações ambientais, além de simbólicas, não chegam a ser cobradas. Prescrevem diante da ineficiência do aparato estatal, em todos os níveis.

Enquanto isso, nos países emergentes, incumbe à sociedade civil conscientizada dos riscos reais e não potenciais das emergências climáticas, ganhar escala e fazer com que o tema ecologia seja uma política estatal de primeira ordem e de prioridade extrema.

Acordar o Parlamento, mais interessado em emendas Pix, em controlar o orçamento e em ganhar as próximas eleições, para que se compenetre de que não existe alternativa para a humanidade. Ou salvamos o planeta, e com ele a espécie que se considera a única racional, ou pereceremos todos. E, se pudermos ganhar dinheiro salvando o mundo, esse é o melhor dos cenários que se poderia oferecer à cultura capitalista.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Werther Santana/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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