O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Rios Neto, informou ao governo que não pretende recorrer da decisão do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, que determinou a adoção de todas as medidas necessárias para a realização do Censo 2021. O caso vai começar a ser analisado nesta sexta-feira (7) no plenário virtual do STF, uma plataforma digital que permite o julgamento de casos sem a necessidade de os ministros se reunirem pessoalmente ou por videoconferência. Segundo o Estadão apurou, ministros do STF discutem reservadamente dar mais prazo para o governo realizar a pesquisa.
No documento obtido pelo Estadão, o IBGE também se coloca à disposição para "buscar soluções orçamentárias" que viabilizem a realização do Censo, "a fim de entregar à sociedade brasileira um retrato de qualidade acerca da realidade socioeconômica do País". Neto ressaltou, no entanto, que a decisão final sobre a alocação de recursos é de responsabilidade dos representantes máximos dos Poderes Legislativo e Executivo.
"O IBGE esclarece que não tem interesse em recorrer da decisão do ministro Marco Aurélio nem se opor ao pedido inicial, dependendo a realização do Censo apenas da alocação de recursos orçamentários suficientes dentro do cronograma técnico exigido", escreveu Neto, em ofício enviado à Advocacia-Geral da União (AGU) na última quinta-feira (29).
Apesar da manifestação do presidente do IBGE, a AGU já está preparando um recurso do governo contra a decisão de Marco Aurélio, conforme determinação do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o presidente do IBGE, mesmo com as adversidades provocadas pela covid-19, o instituto adotou todos os "esforços necessários" para a realização do Censo com a "qualidade esperada e de acordo com o cronograma estabelecido" em um cenário de pandemia.
"À luz da situação de pandemia e dos novos desafios impostos por este contexto, o IBGE procedeu imediatamente à promoção de discussões técnicas no âmbito de seus fóruns competentes visando à adequação da operação do Censo Demográfico", escreveu Neto.
"Ancorado na experiência exitosa da coleta de dados por entrevistas telefônicas no âmbito da PNAD-Covid, o instituto efetuou aperfeiçoamentos no projeto técnico da operação censitária, estruturando o que convencionou chamar de um modelo misto de coleta de dados, que prevê a complementaridade entre a coleta de dados por meio de entrevistas presenciais, entrevistas por telefone e pelo preenchimento do questionário via internet. A par da concepção deste modelo, empreenderam-se esforços igualmente significativos no fortalecimento da infraestrutura estatística base do Censo, em especial no que tange à atualização do cadastro de endereços e da base territorial e à suplementação de mecanismos de supervisão e controle da operação", acrescentou.
Orçamento. No documento, o IBGE aponta que, durante a tramitação do Orçamento de 2021, o relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), retirou uma previsão de cerca de R$ 2 bilhões para a execução do Censo este ano e redistribuiu a emendas parlamentares.
"Em 22 de abril de 2021, o excelentíssimo Senhor Presidente da República sancionou a Lei Orçamentária de 2021, na qual foram efetuadas reduções adicionais no orçamento da operação censitária. Com esses sucessivos ajustes, o orçamento total aprovado para o Censo Demográfico em 2021 foi de R$ 53 milhões, o que representa pouco menos de 3% do total de recursos originalmente previstos na citada PLOA (projeto de lei orçamentária anual)", observou.
Neto também destacou no documento que a discussão sobre o orçamento da pesquisa foi acompanhada de perto pela direção do próprio IBGE. A então presidente do instituto, Susana Guerra, "cumpriu intensa agenda em Brasília, tendo se deslocado e permanecido na capital por mais de 35 dias, reunindo-se com diversos interlocutores com o intuito de discutir a matéria e sensibilizá-los acerca da importância de realização do Censo Demográfico no presente exercício".
De acordo com Neto, em 29 de abril, um dia depois da decisão de Marco Aurélio Mello, o IBGE encaminhou ao Ministério da Economia um ofício em que consulta a pasta comandada por Paulo Guedes sobre "medidas a serem observadas" sobre a contratação de profissionais temporários para a realização do Censo.
"Com este documento, o IBGE tem a expectativa de obter orientação superior que sinalize um horizonte temporal factível para alocação dos recursos requeridos para a realização do Censo Demográfico. Com base nesta orientação, e uma vez garantidos os recursos em questão, o IBGE examinará a viabilidade de realização do Censo à luz das atividades previstas no cronograma da operação", escreveu o presidente do instituto.
Necessidades locais. A determinação de Marco Aurélio Mello foi tomada na análise de uma ação movida pelo governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), uma das principais lideranças de oposição a Bolsonaro no País. Conforme informou o Estadão em janeiro, o governo Bolsonaro já sofreu mais de 33 derrotas no Supremo, a maioria em ações apresentadas por partidos políticos da oposição.
"O direito à informação é basilar para o Poder Público formular e implementar políticas públicas. Por meio de dados e estudos, governantes podem analisar a realidade do País. A extensão do território e o pluralismo, consideradas as diversidades regionais, impõem medidas específicas", observou Marco Aurélio em sua decisão.
"A União e o IBGE, ao deixarem de realizar o estudo no corrente ano, em razão de corte de verbas, descumpriram o dever específico de organizar e manter os serviços oficiais de estatística e geografia de alcance nacional - artigo 21, inciso XV, da Constituição de 1988. Ameaçam, alfim, a própria força normativa da Lei Maior", acrescentou o decano.
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