De acordo com essas regras complementares, a adesão de contribuintes ao RERCT somente é permitida àqueles que mantiveram residência fiscal no País em 31.12.14. A formalização da adesão ocorre pela adoção, obrigatoriamente até 31.10.16, de duas providências: (i) declaração dos ativos de origem lícita mantidos no exterior e das condutas relacionadas que sejam tipificadas como crime (do tipo evasão de divisas ou sonegação fiscal), através do preenchimento online de declaração eletrônica especial denominada "DECART", que é acessível exclusivamente por pessoa optante possuidora de certificado digital e (ii) pagamento de imposto de renda (a 15%) e de multa, ambos calculados sobre o valor de mercado (em 31.12.14) da totalidade dos ativos regularizados, o que representa nominalmente um ônus de 30% do valor total desses bens.
Deverão ser cumpridas certas obrigações acessórias fiscais e cambiais como consequência da opção pela adesão ao RERCT, quais sejam: (i) retificação das Declarações de Imposto de Renda relativas ao anos-calendários de 2014 e 2015; (ii) pagamento de eventual imposto de renda, no Brasil, devido sobre rendimentos e/ou ganhos de capital gerados pelos ativos regularizados durante o ano-calendário de 2015 e o período de janeiro a outubro de 2016 (se aplicável) e (ii) retificação ou entrega das declarações de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE) relativas aos anos-calendários de 2014 e 2015. A efetivação de tais medidas deve acontecer também até 31.10.16, para evitar multa por descumprimento de obrigações acessórias ou mesmo multa de mora de eventual imposto de renda relativo ao período de 2015 e 2016.
A vantagem principal da adesão ao RERCT é a extinção da punibilidade de todas as condutas criminosas relacionadas com sonegação fiscal e falsificações ligadas a ilícitos fiscais os ativos objeto da regularização em questão e, em especial, do chamado crime de evasão de divisas, cuja pena é a privação da liberdade do indivíduo em vista de sua detenção em unidade penal.
Nesse sentido vale registrar que, com base nas regras gerais tributárias e cambiais vigentes, o contribuinte, antes do RERCT, até conseguiria regularizar espontaneamente sua situação perante o Fisco e perante o Banco Central no país. Para tanto teria que retificar suas obrigações acessórias fiscais e cambiais, desde que pagasse o imposto de renda e acréscimos legais sobre os rendimentos e ganhos de capital gerados pelos ativos externos, relativamente apenas ao período de sua geração e que ainda não tivessem sido atingidos pela decadência (de 5 anos) prevista em nosso Código Tributário Nacional.
Ademais, cumpria, ainda, o pagamento de multas administrativas anuais previstas nas normas cambias quanto à entrega em atraso ou à retificação das declarações de CBE dos últimos 5 anos.
Todavia, tais pagamentos e retificações, de acordo com as regras gerais tributárias e cambiais, apenas extinguiriam a punibilidade do crime de sonegação fiscal (i.e. falta de pagamento de imposto), mas não solucionariam o risco da punibilidade da evasão de divisas (falta de declaração de ativos às autoridades competentes - Fisco e Banco Central). Assim, em vista desse perigoso risco criminal, a maioria dos contribuintes com bens no exterior não declarados - e que, por vezes, eram apenas herdeiros de tal situação - não dispunha de um mecanismo de regularização integral (incluindo as sanções criminais cambiais) de tal situação.
Diante disso, os contribuintes em questão possivelmente preferirão arcar com um provável "ônus" do RERCT - em alguns casos em muito superior àquele que seria aplicável pelas regras tributárias e cambiais gerais, principalmente para situações em que a falta de declaração é de longa data. Desta forma, afastarão definitivamente a punibilidade do crime de evasão fiscal, expressa sob a forma de privação da liberdade (reclusão e pagamento de multa).
Mesmo assim, quando da aplicação das regras do RERCT ao seu caso prático, alguns contribuintes não se mostram seguros de que não enfrentarão futuramente questionamentos fiscais, cambiais e criminais formulados pelas autoridades. Dentre várias situações, são exemplos mais usuais dessa insegurança (i) a ausência de documentação sólida e usual para comprovar a origem lícita dos ativos no exterior (por vezes, há apenas indícios da legitimidade do patrimônio); (ii) a possibilidade de interpretação das normas do RERCT que possam eventualmente implicar o pagamento de imposto de renda e multa em duplicidade para casos de ativos não declarados anteriores a 2014 que geraram recursos usados para aquisição de outros ativos existentes em 31.12.2014; (iii) o tratamento em relação ao trust instituído de forma irrevogável ou revogável em momento anterior a 31.12.14 e se o seu instituidor e o seu beneficiário são a mesma pessoa ou membros da mesma família; (iv) a dificuldade de obtenção de avaliações apropriadas dos ativos não financeiros ou, ainda, (v) a inviabilidade de uma pessoa física que é acionista minoritário de uma sociedade no exterior conseguir obter as demonstrações financeiras consolidadas de tal sociedade para determinação do valor de sua quota parte e (vi) os desdobramentos em relação ao eventual recolhimento de ITCMD nos casos de herança e doação. À vista disso, ainda aguardam-se esclarecimentos sobre regras mais claras e, em consequência, tem-se adiado a formalização da adesão para data mais próxima a 31.10.16.
Neste artigo, procuramos demonstrar os pontos relevantes do RERCT, bem como as discussões em torno do tema, de forma a evidenciar a necessidade de que os interessados analisem sua situação como um todo. Tal exame deverá ser realizado com a assessoria de profissionais que atuem pelo menos na área criminal, tributária e cambial, cabendo, ainda, em alguns casos particulares, verificar aspectos da área de família (herança e sucessão).
* António Aires, sócio da área Bancária e Reestruturação de Demarest Advogados ** Eloisa Curi, sócia da área de Tributos Diretos de Demarest Advogados*** Fabyola Rodrigues, sócia da área Criminal de Demarest Advogados
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