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Ingressos de meia-entrada

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Por Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser
Atualização:
Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser. Foto: MPD/Divulgação

O artigo 1º da Lei nº 12.933, de 26 de dezembro de 2013 dispõe que aos estudantes é assegurado o acesso a salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento, em todo o território nacional, promovidos por quaisquer entidades e realizados em estabelecimentos públicos ou particulares, mediante pagamento da metade do preço do ingresso efetivamente cobrado do público em geral. Os parágrafos 8º e 9º do referido artigo 1º estabelecem que também farão jus ao benefício da "meia-entrada" as pessoas com deficiência, inclusive seu acompanhante quando necessário, os jovens de 15 a 29 anos de idade de baixa renda, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e cuja renda familiar mensal seja de até dois salários mínimos, na forma do regulamento.

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Este benefício do pagamento de "meia-entrada" é garantido em quarenta por cento do total dos ingressos disponíveis para cada evento, devendo-se indicar o número total de ingressos e o número de ingressos disponíveis aos usuários da "meia-entrada", em todos os pontos de venda, inclusive, de forma visível e clara (Lei n° 12.933/13, no art. 1°, parágrafo 10, e art. 2º, parágrafo 1º).

Sobre o assunto, a Lei Estadual nº 7.844/92 também assegura aos estudantes regularmente matriculados em estabelecimentos de ensino de primeiro, segundo e terceiro graus, existentes no Estado de São Paulo, o pagamento de "meia-entrada" do valor efetivamente cobrado para o ingresso em casas de diversão, de espetáculos teatrais, musicais e circenses, em casas de exibição cinematográfica, praças esportivas e similares das áreas de esporte, cultura e lazer no Estado.

Para a eficaz garantia do benefício do pagamento de "meia-entrada" e amplo acesso da política pública se faz necessário que a oferta do ingresso pela metade do preço do ingresso cobrado do público em geral seja disponibilizada em todos os meios de venda, inclusive o virtual (internet). Caso contrário, configura infringência à lei e ofensa ao direito ao lazer previsto no capítulo dos "Direitos Sociais", de acordo com o artigo 6º da Carta Federal de 1988, na medida em que impõe maior dificuldade, barreiras à aquisição de ingresso pela metade do preço, restringindo indevidamente o seu acesso ao público especial previsto na legislação regente.

Como sabido, a venda pela internet alcança número infinitamente maior de interessados do que a venda por meio presencial.

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Assim, o direito à "meia-entrada" aos estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de 15 a 29 anos comprovadamente carentes em espetáculos artístico-culturais e esportivos na sistemática digital, trata-se de medida razoável e destinada a conferir maior concretude aos valores constitucionais.

Estamos diante de consumidores vulneráveis, bem como do dever de informar e o direito de ser informado.                                                    A proteção, em matéria de informação, está em consonância com o previsto no art. 5º, XIV, da Carta Magna.

O amparo da informação transparente pode ser retirado do artigo 4º, caput do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece que "a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo".

O Código de Defesa do Consumidor constitui direito básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; a proteção contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral; e a facilitação de sua defesa e essa garantia visa proteger a parte mais fraca da relação de consumo (art. 6º, incisos III, IV, VIII e X).

O dever de informar é fonte de obrigações civis, com base na responsabilidade contratual e não um simples controle sobre a enganosidade ou abusividade da informação e traz, assim, como elemento de grande importância para que o consumidor esteja habilitado para conhecer a oferta pelos seus próprios meios, exercendo a livre escolha do que lhe é assegurado.

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Quanto à amplitude do dever de informação e sua prestação adequada, BRUNO MIRAGEM[1] ensina:

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"É necessário que esta informação seja transmitida de modo adequado, eficiente, ou seja, de modo que seja percebida ou pelo menos perceptível ao consumidor. A eficácia do direito à informação do consumidor não se satisfaz com o cumprimento formal de indicar dados e demais elementos informativos, sem o cuidado ou a preocupação de que estejam sendo devidamente entendidos pelos destinatários destas informações.

(...)

O significado de adequação remete ao de finalidade. Ou seja, será adequada a informação apta a atingir os fins que se pretende alcançar com a mesma, o que no caso é o esclarecimento do consumidor".

 Nessa linha, o consumidor deve ter plena ciência do contrato e eventuais alterações promovidas, assegurando-se proteção às legítimas expectativas da contratação original, sendo vedadas as práticas abusivas, de acordo com o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor[2].

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As práticas abusivas são condutas que causam um maior desequilíbrio existente entre o fornecedor e consumidor na relação consumerista e não podem, sob hipótese alguma, ser afastadas pela livre vontade das partes.

Para DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES e FLÁVIO TARTUCE[3], as práticas abusivas encerradas pelo artigo 39 são assim conceituadas:

"Deve-se entender que constitui prática abusiva qualquer conduta ou ato em contradição com o próprio espírito da lei consumerista. Como bem leciona Ezequiel Morais, 'prática abusiva, em termos gerais, é aquela que destoa dos padrões mercadológicos, dos usos e costumes (incs. II e IV, segunda parte, do art. 39 e art. 113 do CC/2002) e da razoável e boa conduta perante o consumidor'. Lembre-se de que, para a esfera consumerista, servem como parâmetros os conceitos que constam do art. 187 do CC/2002: o fim social e econômico, a boa-fé objetiva e os bons costumes, em diálogo das fontes. Há claro intuito de proibição, pelo que enuncia o caput do preceito do CDC, a saber: 'É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas'. Na esteira do tópico anterior, a primeira consequência a ser retirada da vedação é a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos ou prestador de serviços. Além disso, deve-se compreender o art. 39 do CDC como em um diálogo de complementaridade em relação ao art. 51 da mesma norma. Deve haver, assim, um diálogo das fontes entre as normas da própria Lei Consumerista. Nesse contexto de conclusão, se uma das situações descritas pelo art. 51 como cláusulas abusivas ocorrer fora do âmbito contratual, presente estará uma prática abusiva. Por outra via, se uma das hipóteses descritas pelo art. 39 do CDC constituir o conteúdo de um contrato, presente uma cláusula abusiva. Em suma, as práticas abusivas também podem gerar a nulidade absoluta do ato correspondente".

Dessa forma, são práticas abusivas as condutas dos fornecedores que desvirtuem os padrões de boa conduta nas relações de consumo, excedendo os limites da boa-fé.

[1] Curso de Direito do Consumidor, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, pp. 128-129.

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[2] Artigo 39 do CDC: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.

[3] Manual de direito do consumidor: direito material e processual. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 276.

*Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser, procuradora de Justiça / Ministério Público do Estado de São Paulo e associada do Movimento do Ministério Público Democrático

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a)

Esta série é uma parceria entre o blog e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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