A lavagem de capitais é um fenômeno global com implicações econômicas, sociais e institucionais profundas. Apenas sob uma perspectiva, a lavagem priva um país de arrecadar tributos que farão falta na hora de custear serviços públicos de qualidade.
Partindo-se da premissa que saber qual é o montante de capitais lavado num país para o dimensionamento de esforços para seu combate, um trabalho da Unidade de Informações Financeiras italiana, o COAF italiano, relativo à lavagem de capitais pode oferecer insights que podem inspirar alterações em modelos de outros países, inclusive o Brasil.
Este artigo analisa os principais elementos de relatório italiano. O título do relatório em inglês é "The Size of Money Laundering and Other Illicit Financial Conduct for Italy“, Cadernos da Prevenção à Lavagem n. 26, e encontra-se disponível em inglês no site da Banca d’Italia, o banco central italiano.
Na Itália, a UIF italiana, vinculada à Banca d’Italia, adotou uma abordagem que combinou dados de relatórios de transações suspeitas e informações da Agência de Receita Italiana (Receita Federal) e do Instituto Nacional de Estatística (ISTAT, o IBGE italiano), alguns desses dados confidenciais, outros públicos.
Entre 2018 e 2022, o estudo estimou que os valores relacionados à lavagem de dinheiro corresponderam, em média, a 1,8% do PIB italiano.
O relatório do COAF italiano não mostra os números, mas o site do IBGE italiano, ou ISTAT, permite estimar que o montante lavado na Itália poderia ser algo como €25 a 35 bilhões com base no Produto Interno Bruto do país no período.
Isto pode dar algo entre 155 e 217 bilhões de reais ao câmbio vigente na metade de janeiro de 2025.
A estimativa de capital lavado na Itália, como percentual do PIB italiano, foi obtida por meio de uma metodologia de três fases: (1) seleção de relatórios de atividades suspeitas relevantes, (2) estimativa usando algoritmo de machine learning com base em operações financeiras que cada banco em cada província italiana deveria reportar, também com base em variáveis relacionadas com Lavagem, e (3) imputação com uma versão de um método de imputação chamado em inglês de “Predictive Mean Matching”.
Talvez o percentual estimado da Itália não seja replicável sem alguns ajustes significativos no Brasil. Dado que parece relevante é que o ISTAT italiano registrou estimativas somente de três tipos de atividade ilícita (i.e., tráfico de drogas, prostituição e contrabando de cigarros), que potencialmente terão relevância histórica e atual inclusive diferente de outros países, inclusive da do Brasil.
A estimativa do montante lavado, como já colocado antes, foi feita em fases.
Na primeira fase, a UIF italiana combinou dados de relatórios de operações suspeitas com informações fiscais e socioeconômicas, criando-se uma base de dados. No Brasil, seria algo como integrar os relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), dados da Receita Federal e indicadores socioeconômicos do IBGE.
A cooperação com polícia e autoridades judiciais parece ter sido essencial para garantir que as informações fossem obtidas, analisadas e produzissem a estimativa de um valor que realmente impressiona.
A tecnologia também ajudou, com o uso de um algoritmo chamado Quantile Random Forest (QRF), que teria permitido identificar padrões e anomalias em transações suspeitas. Resta saber se isto poderia ser adaptado para o Brasil, por exemplo, para aprimorar a capacidade de identificar operações de alto risco, em alternativa ou somando-se ao que já seja usado no país.
É bem verdade que a implementação de soluções tecnológicas similares poderia exigir investimentos em capacitação e infraestrutura, mas o retorno em termos de prevenção poderia ser significativo, ainda mais com o resultado que pode justificar e direcionar melhor esforços da administração pública em qualquer país.
Um ponto que pode ser relevante para eventuais transplantes da experiência italiana foi o fato de as análises terem sido feitas na esfera regional. No Brasil, considerando as dimensões continentais do país, talvez o mesmo approach pudesse ser feito.
De fato, uma abordagem descentralizada poderia priorizar regiões com maior incidência de crimes relacionados, como tráfico de drogas, madeiras e corrupção. Dados regionais poderiam ser cruzados com informações sobre investimentos, atividades empresariais e fatores sociais para identificar vulnerabilidades locais.
Como mencionado antes, na estimativa italiana, o COAF italiano empregou a técnica chamada Predictive Mean Matching (PMM). Isto teria sido feito para corrigir informações inconsistentes em seus bancos de dados, inclusive para lidar com a subnotificação ou inconsistências nos dados reportados e outras fontes. É um dado que mereceria comentários e destaques por pessoas da área de estatística.
De qualquer forma, a publicação de relatórios mais concisos, de 30 páginas, pela UIF italiana parece ser um exemplo de como manter a sociedade informada sobre os esforços no combate à lavagem de dinheiro.
E a ampliação da transparência e de campanhas educativas pode aumentar a conscientização e o engajamento da população na denúncia de atividades suspeitas.
Tarefa difícil de exportar para o Brasil, onde parece importar mais a grande parcela da população criticar o trabalho da Receita Federal na fiscalização de movimentações financeiras (e arrecadação tributária) do que adotar uma tolerância menor com crimes tributários.
Reside aí, inclusive, uma dificuldade para implementação de qualquer abordagem que meça o problema da lavagem no Brasil: a resistência política por motivos ideológicos.
Mudanças nas políticas de combate à lavagem de capitais podem enfrentar resistência de setores que se beneficiam do status quo.
Em síntese, a experiência italiana demonstra que a combinação de tecnologia, colaboração interinstitucional e análise regionalizada poderia transformar o combate à lavagem de capitais em uma política pública eficaz, com o dado que indica quanto se pode estar deixando de arrecadar de tributos, a partir do valor estimado lavado. E isto é um ponto a favor tanto na Itália, quanto no Brasil e vários outros lugares, da utilidade de estimativas como a que fez a versão italiana do COAF.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica