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Opinião | Ives e suas nove décadas

Ele dialoga, ouve, contra-argumenta, sustém o seu ponto de vista lúcido, coerente e destemido. Não o intimida o confronto com o antagonismo. Polidez e elegância preponderam no diálogo respeitoso que mantém com quem queira debater os temas nacionais com fundamentos sólidos

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convidado
Por José Renato Nalini

No dia 12 de fevereiro de 1935, nascia em São Paulo o polímata Ives Gandra da Silva Martins. Sua vida valeria um filme envolvente, de tão prenhe de situações instigantes. Há muito a celebrar por estes intensos noventa anos. A presença de Ives é constante em todos os foros. Na Academia, na Justiça, no Apostolado, nas Letras, na Política praticada à luz de princípios e valores.

Ives Gandra da Silva Martins Foto: Andreia Tarelow

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A mera leitura do currículo desse paulistano cujas obras estão na Biblioteca do Congresso Norte-americano, a mais completa do planeta, ocuparia espaço incompatível com estas despretensiosas reflexões. Poucos os brasileiros que podem ostentar o número crescente de colares, honrarias, medalhas, diplomas e certificados meritórios, como o aniversariante de hoje. Professor emérito do Mackenzie, Unip, Unifieo, Unifmu, CIEE, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército e Superior de Guerra, das Escolas da Magistratura e do Ministério Público do Brasil, é também reconhecido internacionalmente. Por isso a categoria de Professor Honorário das Universidades Austral, na Argentina, San Martin de Porres, no Peru e Vasili Goldis na Romênia. Doutor honorário das Universidades de Craiova, na Romênia e das Pontifícias Universidades Católicas do Paraná e Rio Grande do Sul. A Universidade lusa do Minho o reconheceu Catedrático. Mas os títulos e honrarias não cessam.

Tudo isso não impediu que Ives Gandra continuasse a servir o semelhante, com afabilidade e sadio acolhimento, reflexo da seriedade com que vivencia os Evangelhos. Sua voz se faz ouvir, forte e candente, em todos os episódios que importam ao aprimoramento do sistema Justiça e da Democracia brasileira. Ele dialoga, ouve, contra-argumenta, sustém o seu ponto de vista lúcido, coerente e destemido. Não o intimida o confronto com o antagonismo. Polidez e elegância preponderam no diálogo respeitoso que mantém com quem queira debater os temas nacionais com fundamentos sólidos, em fase instigante de extrema polarização.

Ives Gandra da Silva Martins produz conhecimento. Suas obras são imprescindíveis nas bibliotecas dos espaços culturais e são mencionadas por outros doutrinadores, pela Magistratura e por todos os profissionais das carreiras jurídicas. Não há tema que tenha deixado de constar da preocupação científica de sua mente atilada, atenta e dinâmica.

Tem-se a sensação de que Ives dispõe de mais tempo do que o comum dos mortais. Nunca se recusa a atender alguém, a responder a uma dúvida, a se submeter a entrevistas veiculadas em todas as mídias.

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Tudo isso é bem conhecido e não completa o perfil multifacetado e inquieto de quem se propôs a aprimorar o convívio entre as pessoas e a demonstrar que a eficiência profissional pode se conciliar com a prática do Evangelho. Advogado de renome, respeitado e requisitado, é um homem de fé. Não no discurso, mas na vivência diária.

A Obra de Deus não é discurso para Ives. É rotina. Sua fidelidade ao pensamento de Escrivá evidencia que é possível buscar a santidade, apesar do egoísmo, das falsidades, da mentira e da violência. Ives é um paradigma para quem, como o jovem rico, sente-se inclinado a seguir o Mestre, mas não tem coragem de renunciar à matéria. Ser cristão autêntico no turbulento Século 21 é algo tangível, se o modelo for Ives Gandra.

Padrão também de marido apaixonado, a produzir uma torrente contínua de poemas para a sua Ruth, que já se encontra no etéreo. O poeta Ives, também pianista, escreve poesia amorável, mas também a utiliza como exercício destinado a converter os semelhantes. Já ofereceu aos amigos do talento poético milhares de sonetos e demais formatações dessa música para a alma que brota em raríssimos exemplares da espécie humana. Ainda haverá críticas consistentes sobre essa usina que não cessa de produzir poesia. Mas, para abraçar Ives, nos seus noventa anos, tão produtivos quanto inspiradores, escolhi o poema “Luta Interior”: Apesar de lutar, algumas vezes/irrito-me em não ser bem compreendido/principalmente quando passo meses/tentando dar aos outros um sentido./ Nestes momentos, eu respiro fundo/para não estourar como queria,/e peço interna paz, pois, neste mundo/é fundamental tê-la todo o dia./Confesso não ser fácil, mas resulta/em solução perfeita, pois a vida/ de quem ira apresenta cobra multa/que mal-estar provoca em quem incida./ A luta é permanente e vale a pena/uma luta que faz a alma serena”.

Um privilégio ser contemporâneo, amigo e discípulo do Mestre Ives Gandra da Silva Martins, que hoje atinge a benção da Providência de completar, em plena efervescência criativa, os seus noventa anos.

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Foto do autor José Renato Nalini
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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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