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Militares de elite da PM vazavam informações para o PCC, diz inquérito sobre morte de delator

Vinte dias antes da execução a tiros de fuzil de Antônio Vinícius Gritzbach no Aeroporto Internacional de São Paulo, Corregedoria da Polícia Militar paulista abriu inquérito para investigar a ligação de homens da Rota com a maior e mais violenta facção do crime organizado no País; nesta quinta, 16, o cabo PM Denis Antônio Martins foi preso sob acusação de ter alvejado o empresário que denunciou corrupção policial

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Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Marcelo Godoy
Atualização:

Vinte dias antes do assassinato a tiros do delator do PCC Antônio Vinicius Gritzbach, em novembro do ano passado, no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, a Corregedoria da Polícia Militar paulista abriu um inquérito que levou nesta quinta, 16, à prisão do algoz do empresário, o cabo da PM Denis Antonio Martins - apontado como o autor dos disparos contra Gritzbach. O Estadão tenta contato com a defesa do policial.

O Estadão teve acesso ao inquérito da Corregedoria. Na mira dessa investigação estão militares da tropa da elite da corporação, a Rota, sob suspeita de ligação com a maior facção do crime organizado no País, o PCC. A investigação indica que os militares abasteciam faccionados com dados sigilosos de operações, livrando os criminosos de prisões e de “prejuízos financeiros”.

Execução de delator do PCC ocorreu em novembro do ano passado Foto: Italo Lo Re /Estadao

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A portaria de abertura da investigação foi assinada no dia 17 de outubro do ano passado e listou nomes de onze policiais suspeitos de envolvimento, “direta ou indiretamente, com as atividades ilícitas, ou que ao menos tinham conhecimento das irregularidades e/ou tinham o dever de evitá-las”.

Os agentes foram divididos em dois núcleos que teriam se associado ao PCC. Um deles baseado no quartel da Rondas Ostensiva Tobias de Aguiar do 1º Batalhão de Choque, mais precisamente na área de inteligência da tropa. O outro grupo, formado por agentes de outras organizações policiais militares, em especial da zona leste da capital paulista.

Documento cita 'informações relevantes' fornecidas por policiais militares Foto: Reprodução

Dois soldados foram presos nesta quinta, 16, pela Corregedoria: Alef de Oliveira Moura e Talles Rodrigues Ribeiro. Na ocasião do assassinato eles estavam lotados, respectivamente, na Rota e no 18º Batalhão da PM, na zona Norte da capital paulista. Eles foram identificados prestando serviços de segurança para Gritzbach. Foi o primeiro elo do vazamento de informações para o PCC e o caso do delator assassinado no Aeroporto de Guarulhos.

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Junto com os soldados Alef e Talles, um capitão que comandou a Rota; um cabo que era, supostamente, dono de um bar que leva o nome da tropa (Rota’s Bar) e teria sido aberto com o lucro dos vazamentos de informações ao PCC; um outro cabo que se candidatou a deputado federal pelo União Brasil em 2022; e um ex-PM suspeito de ser pistoleiro do PCC, expulso da corporação sob acusação de ser mandante de um homicídio - crime do qual acabou absolvido.

Ex-integrantes do 18º BPM e da Rota estiveram no centro de um outro escândalo que remonta a 2008 – o assassinato do coronel da PM José Hermínio Rodrigues. O grupo responsável pela execução ficou conhecido como ‘Matadores da 18′, vez que os acusados atuavam no 18º Batalhão. Alguns eram ex-integrantes da Rota.

No dia 31 de outubro, a Polícia informou o Ministério Público sobre o inquérito e destacou a conexão entre os PMs suspeitos e o fato de que a maioria deles trabalhou na Agência de Inteligência da Rota, “onde tiveram acesso a diversas informações de relevância para o crime organizado”.

Outro principal argumento para a abertura da investigação, conforme relatado à Promotoria, foi o fato de os soldados Alef e Talles terem sido flagrados “realizando serviço extra de segurança privada a empresário conhecido, em domínio público, por seu envolvimento com o crime organizado”.

Uma semana depois, o delator do PCC foi eliminado com dez tiros de fuzil. O corpo ficou caído na faixa de pedestres em frente ao aeroporto, onde ele havia acabado de desembarcar de uma viagem a Maceió, trazendo na bagagem R$ 1 milhão em joias.

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Gritzbach teria encomendado morte de faccionado que era beneficiário de informações vazadas pela Rota

As suspeitas que recaíam sobre os policiais, quando a Corregedoria abriu sua investigação, partiram de um inquérito administrativo que apontou indícios de “convivência de policiais militares com criminosos faccionados, assim como a constatação de patrimônio incompatível com a renda de alguns dos envolvidos, dando suporte para aprofundar as investigações por meio de inquérito policial militar”.

A investigação foi abastecida com uma denúncia anônima que narrava, inclusive, os principais criminosos que seriam beneficiados com o esquema: ‘Cara Preta’, ‘Django’, ‘Japa’ e ‘Cebola’. Todos estão mortos, com exceção do último, único foragido da Operação Fim da Linha.

A Polícia ainda cita como beneficiado o ‘Mude’, um advogado suspeito de ligação com um esquema que visava a infiltração do PCC nas eleições de 2024.

O inquérito cita a relação de Gritzbach com ‘Cara Preta’, do PCC, morto a tiros junto com seu motorista, ‘Sem Sangue’, em dezembro de 2021, supostamente em razão de um “desacordo comercial” com o delator da facção.

O empresário teria mandado matar ‘Cara Preta’ para não devolver valores que supostamente desviou de investimentos do homem do PCC. Gritzbach teria encomendado a morte junto a um policial penal. A investigação indica que o policial penal contratou um pistoleiro, que meses depois foi encontrado morto com a cabeça decepada.

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A essa investigação foi encartada a execução de Gritzbach, em razão da citação sobre o delator nas apurações que aconteciam até ali. Tão logo o boletim de ocorrência que registrou a morte do empresário foi juntado à investigação, a Corregedoria começou a diligenciar sobre 16 policiais - oito deles alvos da operação desta quinta.

Provas: cheques e celular trocado

Uma das primeiras medidas foi a busca e apreensão nos armários dos PMs sob suspeita, no 18º Batalhão e no 23º. Entre os pertences do soldado Alef foram encontrados cheques. O guarda volume não estava trancado. Os corregedores da PM acharam também uma mochila preta com onze cheques, dez no valor de R$ 2 mil e um de R$ 10 mil, todos de uma mesma conta e em nome de Alef. Três folhas estavam danificadas junto de um rascunho: ‘a depositar’.

Tanto Alef como Talles - os primeiros elos da investigação sobre o vazamento de informações de militares da Rota para o PCC – prestaram depoimento à Corregedoria no dia 12 de novembro e entregaram seus celulares.

Os agentes analisaram o conteúdo do aparelho de Talles e resgataram três mensagens de “interesse” para a investigação. Nelas, o soldado diz que trocou o celular logo antes de ser ouvido na Corregedoria.

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