O desabamento de uma galeria de esgoto em São Paulo, nesta terça-feira (1º), novamente aponta os holofotes para as possibilidades de responsabilização de "alguém" pelo ocorrido.
O primeiro ponto a ser observado em casos como o presente versa sobre eventual responsabilidade do quadro diretor da empresa concessionária que realizava obras a três metros do local para construção de linhas de metrô.
Não obstante a concessão obrigue a concessionária à manutenção da via, realização de reparos e, no caso, extrema perícia na construção da obra que lhe foi entregue para execução, a causa que efetivamente gerou o resultado somente pode ser atribuída a quem lhe gerou.
Significa dizer que a existência do nexo causal entre ato e resultado, nos estreitos limites do artigo 13 do Código Penal, é imprescindível para fins de responsabilização de pessoas físicas. Diante disso, se for uma causa anterior e talvez até mesmo ignorada pela concessionária ante a impossibilidade de ser descoberta, não há como se imputar o fato aos diretores desta última.
E, mesmo no cenário onde a causa fosse conhecida ou até mesmo gerada pela empresa, a responsabilização dos ocupantes de cargos de diretoria, em qualquer empresa, deve obedecer também a uma verificação interna de (a) atribuições e, fundamentalmente, (b) clareza comunicacional dentro do grupo.
Em relação ao primeiro item, é patentemente óbvio. Não há como se imputar fatos danosos a quem não detém competência funcional de evitá-los. Se, por exemplo, trata-se de um erro de engenharia, o diretor financeiro, por óbvio, nada deve sofrer.
No que diz respeito ao segundo item, entretanto, a linha de responsabilização penal torna-se extremamente tênue, pois parte do pressuposto de que o diretor responsável tenha recebido todas as informações adequadas sobre o ato que deseja autorizar - ou que, caso não recebidas, não o seja por negligência, imperícia ou imprudência.
Se recebidas e mal avaliadas, ou não recebidas por falha sua, sem dúvida seu comportamento estará vinculado ao resultado danoso, eis que houve previsibilidade objetiva de sua ocorrência. Mas, caso contrário, e na linha do já afirmado, nada deverá sofrer.
Constata-se, portanto, que um dos elementos fundamentais de compliance de grandes empresas, principalmente em relação à defesa de seu quadro diretor, não reside nos já famosos "manuais de conformação", onde belas linhas são escritas para que o mercado acredite na responsabilidade social, fiscal, tributária, ambiental e, quiçá, espiritual da pessoa jurídica. E, sim, no dia a dia, nos e-mails e mensagens recebidas e enviadas entre todos os setores, principalmente aqueles que estão na linha de frente em relação ao risco assumido pelo trabalho a ser realizado.
De nada adianta um slogan afirmando ser "uma empresa voltada à construção de um mundo melhor" se restar provado que o quadro diretivo poderia e deveria ter agido de maneira distinta, ou se informações são costumeiramente perdidas em um longo caminho como maneira de se evitar seu conhecimento - e, consequentemente, a obstaculização do contratado. No primeiro caso resolve-se a equação pela responsabilidade clássica da omissão culposa e, no segundo, pela adoção da teoria da cegueira deliberada.
Enfim, antes de se procurar culpados, deve-se procurar a causa material, física, do evento. E, somente após ultrapassada tal barreira, que se iniciará a busca por eventual linha de conduta que possa ser atribuída a alguém.
*Daniel Gerber é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico, mestre em Ciências Criminais e sócio-fundador de Daniel Gerber Advogados Associados
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